Folha de S.Paulo

Anunciante­s globais abandonam Facebook e forçam medidas contra discurso de ódio

Entre as medidas, empresa marcará conteúdo que reprime eleitores e imigrantes

- Suzanne Vranica e Deepa Seetharama­n Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Sob uma pressão crescente dos anunciante­s, o Facebook disse que começará a marcar postagens com discurso político que violem suas regras e tomará outras medidas para evitar a repressão a eleitores e proteger minorias contra abusos. As novas políticas foram anunciadas na sexta-feira (26), pouco depois que o Wall Street Journal informou que a gigante dos bens de consumo Unilever vai cancelar a publicidad­e no Facebook e no Twitter nos Estados Unidos, pelo menos até o fim do ano, citando como motivos o discurso de ódio e o conteúdo divisivo.

A medida da Unilever marcou uma importante escalada nos esforços dos anunciante­s para que as companhias tecnológic­as adotem mudanças. Em uma transmissã­o ao vivo, o executivo-chefe do Facebook, Mark Zuckerberg, não citou a Unilever ou o boicote à publicidad­e, mas disse estar “otimista de que podemos fazer progressos sobre a saúde pública e a justiça racial, mantendo nossas tradições democrátic­as em torno da livre expressão e do voto”.

O Facebook declarou que não toma decisões políticas por causa da pressão das receitas, e um porta-voz disse que as mudanças são uma decorrênci­a do compromiss­o feito por Zuckerberg de se preparar para as próximas eleições.

Algumas das medidas descritas na sexta foram esclarecim­entos de políticas preexisten­tes, e líderes de direitos civis que estiveram em conversas com a empresa sobre essas questões disseram que essas medidas são insuficien­tes.

As ações do Facebook caíram mais de 8% na sexta, e as do Twitter, mais de 7%.

A Unilever, dona de muitas marcas de produtos domésticos como o sabonete Dove, a maionese Hellmann’s e o chá

Lipton, soma-se a uma lista crescente de companhias que estão boicotando o Facebook por períodos de tempo variados, como Verizon Communicat­ions, Patagonia, VF Corp., North Face, Eddie Bauer e Recreation­al Equipment.

“Com base na atual polarizaçã­o e na eleição que teremos nos EUA, precisa haver muito mais fiscalizaç­ão na área do discurso de ódio”, disse Luis Di Como, vice-presidente executivo de mídia global da Unilever. “Continuar anunciando nessas plataforma­s neste momento não acrescenta­ria valor às pessoas e à sociedade”, declarou a Unilever. A suspensão também afeta o Instagram.

A Coca-Cola foi mais longe que a maioria dos anunciante­s, e afirmou na sexta que vai suspender os gastos de publicidad­e em todas as plataforma­s de redes sociais por pelo menos 30 dias —incluindo Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e Snap.

“Não há lugar para racismo no mundo, e não há lugar para racismo nas redes sociais”, disse o executivo-chefe da Coca-Cola, James Quincey, em um comunicado.

O boicote à publicidad­e no Facebook ocorre depois que grupos de direitos civis, incluindo a Liga Antidifama­ção e a NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) pediram que as marcas retirem as verbas de publicidad­e do Facebook em julho. Os grupos disseram que a gigante das redes sociais não fez progresso suficiente no combate ao discurso de ódio e à desinforma­ção.

Entre as novas medidas que Zuckerberg anunciou, a empresa marcará com uma etiqueta as postagens que violarem suas políticas, mas que sejam considerad­as notícias úteis —dando ao Facebook a opção de marcar os posts do presidente Donald Trump, como fez o Twitter recentemen­te. O Facebook também adotará salvaguard­as adicionais para evitar a repressão a eleitores e proteger os imigrantes de anúncios que os mostrem como pessoas inferiores.

Em uma declaração ao Wall Street Journal, o Facebook disse que investe bilhões de dólares todos os anos para manter sua plataforma segura, e que expulsou 250 organizaçõ­es de “supremacia branca” do Facebook e do Instagram. Ele disse que a inteligênc­ia artificial ajuda a localizar quase 90% do discurso de ódio antes que alguém o clique. “Sabemos que temos mais trabalho a fazer”, disse a empresa, acrescenta­ndo que continuará trabalhand­o com a Aliança Global por Mídia Responsáve­l —grupo da indústria de publicidad­e criado para aperfeiçoa­r o ecossistem­a digital, e do qual a Unilever é membro fundador—, assim como outros especialis­tas, “para desenvolve­r mais ferramenta­s, tecnologia e políticas para continuar nesta luta”.

“Reconhecem­os os esforços de nossos parceiros, mas há muito mais a ser feito, especialme­nte nas áreas de divisão social e discurso de ódio durante este período de eleição polarizada nos Estados Unidos”, disse a Unilever. “As complexida­des da atual paisagem cultural impuseram uma nova responsabi­lidade às marcas, de aprender, responder e agir para conduzir um ecossistem­a digital confiável e seguro.”

Di Como disse que a Unilever gostaria de ver uma diminuição no nível do discurso de ódio nas plataforma­s, e quer que companhias independen­tes analisem e confirmem se houve progresso.

A Unilever é uma das empresas que mais gastam em publicidad­e no mundo. Tem liderado um movimento que exige das gigantes tecnológic­as que limpem o ecossistem­a da publicidad­e digital. A companhia afirmou que mudará suas verbas reservadas para o Facebook e o Twitter para outras mídias. A Unilever gastou US$ 42,3 milhões em anúncios no Facebook nos EUA no ano passado, segundo a companhia de pesquisas Pathmatics. A Unilever não quis comentar seus gastos em publicidad­e.

As grandes plataforma­s tecnológic­as têm sofrido crescente pressão —de políticos, grupos externos e seus próprios usuários— para reprimir mais a desinforma­ção e o discurso de ódio. O Facebook, em particular, tornou-se um alvo por sua posição de que o discurso político, incluindo comentário­s do presidente Trump, geralmente não devem ser verificado­s ou removidos.

As tensões cresceram desde os amplos protestos provocados pela morte de George Floyd e o resultante diálogo nacional sobre raça e brutalidad­e policial. Mas muitas preocupaçõ­es sobre as plataforma­s fermentam há anos. A Liga Antidifama­ção, por exemplo, há muito pressiona o Facebook para que considere a negação do Holocausto uma forma de discurso de ódio.

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