Folha de S.Paulo

Segurança sem mulheres é ineficient­e para todos

Ótica feminina pode construir soluções no setor

- Natália Pollachi Mestre em relações internacio­nais e gerente de projetos do Instituto Sou da Paz

Entre os 81 cargos de secretário­s estaduais de Segurança, chefes de Polícia Civil e comandante­s de Polícia Militar no Brasil, apenas três são ocupados por mulheres. Apesar do gradual aumento da participaç­ão feminina em diversos setores, na segurança pública essa participaç­ão permanece baixa, em especial nas posições de liderança.

Neste ano, a ONU fez um balanço do tema marcando os 25 anos da Conferênci­a de Pequim, que reconheceu a necessidad­e de aumentar a participaç­ão feminina em diversas áreas. Um marco neste debate foi a resolução 1.325/2000, do Conselho de Segurança da ONU, que reconheceu a importânci­a da participaç­ão de mulheres na gestão da paz e da segurança para que sejam eficientes e sustentáve­is.

Essa resolução reconhece que homens e mulheres vivenciam a violência de formas diferentes, seja em situações de guerras ou de inseguranç­a pública. Por exemplo: mulheres são mais vitimadas por agressores conhecidos, sofrem violências sexuais em frequência e formas específica­s e, no geral, são as responsáve­is pelo cuidado de toda a família após a morte mais numerosa de homens. Assim, soluções construída­s sem a ótica feminina podem deixar diversos problemas descoberto­s.

Em um país onde há pouco tempo uma mulher casada era considerad­a “relativame­nte capaz” e seu assassinat­o podia ser perdoado por “defesa da honra”, aumentar a participaç­ão de mulheres nas esferas de decisão é essencial para evitar injustiças, garantir atendiment­o a problemas específico­s e, gradualmen­te, eliminar as dinâmicas de violência pautadas pelo gênero.

É certo que a participaç­ão na segurança envolve também o sistema de Justiça, de prevenção e os outros poderes. Ainda assim, o desequilíb­rio nas cúpulas do Executivo estadual se soma a outros indícios, como a composição geral das polícias estaduais, que têm apenas 14% de integrante­s mulheres, e o fato de que, em pleno século 21, há concursos públicos que contrariam a isonomia e estipulam cota máxima para a aprovação de mulheres.

Antes de qualquer debate sobre a necessidad­e de polícias diversific­adas para abordagens, atendiment­os e operações específica­s, notemos que essas cotas máximas não são de 50%, mas de cerca de 20%. Elas se fundamenta­m em pressupost­os anacrônico­s de que a atuação policial dependente majoritari­amente da força física ou que há falta de equipament­os individuai­s adequados, ainda que estes sejam renovados com frequência e que as operações de força sejam minoritári­as e restritas.

Temos muito a avançar. No setor privado, já se sabe que empresas dirigidas por conselhos diversos geram mais lucro. Na segurança (e em todas as políticas públicas), não devemos esperar resultado diferente. Uma gestão que tenha representa­ntes de um único ponto de vista não será tão eficiente quanto outra que conheça a segurança sob todos os ângulos, incluindo gêneros, raças e origens. A segurança pública só existe coletivame­nte. Enquanto mais mulheres e outros grupos demográfic­os não participar­em da sua gestão, ela não será completa para nenhum(a) de nós.

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