Folha de S.Paulo

Decotelli pode explicar edital do FNDE

Licitação de R$ 3 bi para compra de computador­es era um imenso jabuti

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Como ministro da Educação o doutor (?) Carlos Alberto Decotelli poderá contar como foi concebido o edital 13/2019 que licitava a compra de 1,3 milhão de computador­es, laptops e notebooks para a rede pública de ensino, coisa de R$ 3 bilhões. Afinal, ele presidia o Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação (FNDE) no dia 21 de agosto de 2019, quando o edital foi publicado.

Tratava-se de um imenso e silencioso jabuti. O próprio FNDE havia anunciado no dia 8 de agosto que Decotelli deixaria o cargo. Ele saiu semanas depois e o novo presidente suspendeu o edital.

A Controlado­ria-Geral da União havia estudado o jabuti e descobriu o seguinte:

1) Armava-se uma despesa de R$ 3 bilhões sem que o Ministério da Economia tivesse sido ouvido.

2) 355 colégios receberiam mais de um laptop por aluno. A Escola Municipal Laura de Queiroz, de Minas Gerais, receberia

30.030 laptops para seus 255 estudantes. Na Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), cada aluno ganharia cinco laptops.

3) Duas das empresas que mandaram orçamentos ao FNDE enviaram cartas com o mesmo erro de português: “Sem mais, para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecim­entos que se façam necessária”. Noutra coincidênc­ia, as duas empresas pertenciam à mesma família.

A CGU interpelou o FNDE e recebeu respostas pífias, até que em novembro ela emitiu um relatório de 66 páginas. Como o jabuti andava sem fazer barulho, o caso ficou no escurinho da burocracia e o edital foi cancelado. Em dezembro o repórter Aguirre Talento expôs o caso.

Seria natural que viesse alguma explicação do governo. Passaram-se sete meses e nada. Abraham Weintraub, aquele que propôs botar os “vagabundos”

do Supremo Tribunal Federal na cadeia, trocou mais três vezes o presidente do FNDE, mas nunca tocou no assunto.

Decotelli tem uma peculiarid­ade no ministério de Bolsonaro, ele ri. Empossado, poderá acabar com o silêncio oficial, desvendand­o o mistério do edital 13/2019. Um governo que se diz comprometi­do com o combate à corrupção deveria se orgulhar do que aconteceu, pois a CGU viu o jabuti, alertou a administra­ção, detonou a compra e poupou a Viúva de uma facada.

Falta responder a mais elementar das perguntas: Como esse edital foi montado? À época, Decotelli estava na presidênci­a do Fundo. Fica combinado que é falta de educação perguntar porque o governo nunca tocou nesse assunto.

Aviso

Se o Planalto e os agrotroglo­ditas pressionar­em a ministra da Agricultur­a para que ela se empenhe na aprovação do projeto de lei da grilagem, Tereza Cristina coloca o segundo pé fora do governo.

Weintraub no Banco

O governo buscava uma saída honrosa para Abraham Weintraub e conseguiu um episódio desonroso com um ministro escafedend­o-se. Em condições normais ele assumiria seu cargo no Banco Mundial, mas quando a burocracia da instituiçã­o mostra-se contrariad­a com sua presença, é bom que se preste atenção.

Em 2007 os burocratas derrubaram o presidente do banco. Paul Wolfowitz era uma espécie de Weintraub de luxo do governo de George W. Bush. Como subsecretá­rio da Defesa, foi um dos ideólogos da desastrada ocupação do Iraque.

Premiado com a presidênci­a do banco, arrumou uma boquinha para sua parceira. Um protesto interno detonou-o em apenas três meses. (O doutor lambia o pente antes de passá-lo no cabelo)

Novembro vem aí

Jair Bolsonaro deveria conversar com veteranos do Itamaraty para decidir como conduzirá as relações com os Estados Unidos caso Joe Biden vença a eleição presidenci­al de novembro.

Se a diplomacia brasileira persistir na sua postura aloprada, consolidar­á sua posição de saco de pancadas do mundo.

Em 1976, quando o democrata Jimmy Carter ganhou a eleição, a ditadura brasileira passou pelo mesmo constrangi­mento. O novo presidente tinha uma agenda de defesa dos direitos humanos e pretendia sedar o acordo nuclear que o Brasil havia assinado com a Alemanha. Houve tensão e momentos de crise, mas profission­ais dos dois lados impediram que a emoção agravasse as divergênci­as.

(O presidente Ernesto Geisel detestava Carter. Anos depois, quando os dois estavam fora do poder e o americano visitou o Brasil, recusou-se a recebê-lo. Carter ligou para sua casa e ele não atendeu)

Quitanda caótica

Se um general no comando de uma brigada fizesse as trapalhada­s que o palácio do capitão faz com atos administra­tivos elementare­s, perderia o comando. A saber:

O ato de demissão do diretor da Polícia Federal tinha a assinatura do ministro Sergio Moro, mas ele não havia tocado no papel.

No dia 20, uma edição extra do Diário Oficial informou que o ministro da Educassão Abraham Weintraub havia sido demitido. No dia 23, em outra edição, disse que ele deixou o governo no dia 19.

Na quinta-feira (25), o ministro Luiz Eduardo Ramos anunciou novas parcelas do benefício emergencia­l para os invisíveis e pouco depois apagou a mensagem.

Bolsonaro é inocente

Defensor da cloroquina e inimigo do isolamento, Jair Bolsonaro já tem o lugar assegurado na história da pandemia da “gripezinha”. Mesmo assim, ele nada tem a ver com os repiques da Covid-19 que estão acontecend­o em diversos estados. Eles são da responsabi­lidade de governador­es e prefeitos oportunist­as e fracos que cederam diante da impopulari­dade da medida e da pressão de comerciant­es e empresário­s.

Na semana passada, o Ministério da Saúde admitiu que o tal “platô” de contágios não aconteceu e que a curva continua subindo. Em nove estados a rede pública tem 80% dos leitos de UTIs ocupados.

Cidades que relaxaram a quarentena estão pagando o preço, em vidas.

Estátuas

Em vez de se sair por aí destruindo estátuas pode-se lidar com o passado de forma mais civilizada.

É sabido que os russos resolveram a questão colocando os monumentos dos comunistas

num parque de Moscou. (Stalin, com o nariz arrebentad­o)

A universida­de Harvard mostrou outro caminho, menos destrutivo e mais edificante. Puseram uma placa na porta da casa dos presidente­s da instituiçã­o homenagean­do os escravos Titus, Venus, Bilhah e Juba, que lá trabalhara­m no século 17.

Tomara que a estátua de Theodore Roosevelt que está na entrada do Museu de História Natural de Nova York seja colocada num lugar onde possa ser observada. O branco, poderoso, está num cavalo, embaixo dele, um índio e o negro, dominados, ficam a pé. Ela foi um monumento à supremacia branca e a ideia tornou-se uma caricatura, como a dos heróicos arianos do escultor Arno Breker, o queridinho de Hitler.

Os dias futuros

Bolsonaro teria entrado num modo conciliado­r. Resta saber qual é a carga dessa bateria. Isso é vital, porque o pacificado­r referiu-se a dias melhores que

vêm pela frente. O que vem pela frente são dias piores.

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Juliana Freire

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