Folha de S.Paulo

Candidato surpresa embaralha pleito na Polônia

Progressis­ta entrou na disputa após adiamento devido à pandemia e deve levar eleição presidenci­al ao 2º turno

- Ana Estela de Sousa Pinto

Faz 44 dias que cresce a dor de cabeça de Andrzej Duda, presidente polonês, e os números indicam piora a partir deste domingo (28). O responsáve­l é Rafal Trzaskowsk­i (pronuncia-se tshaskófsk­i), prefeito de Varsóvia que tumultuou a reta final de uma eleição para a Presidênci­a que Duda dava por vencida.

Os dois têm algo em comum: nasceram em 1972, chegaram ao doutorado, estão na política desde os anos 2000 e gostam de esquiar. As ideias que representa­m, porém, não poderiam ser mais diferentes.

“Basta olhar para eles que você enxerga as duas Polônias em disputa”, diz Maria Skóra, chefe do Programa de Diálogo Internacio­nal do Das Progressiv­e, centro de estudos alemão.

Trzaskowsk­i, do principal partido de oposição, Plataforma Cívica (centro-direita), é a face cosmopolit­a, integrada à União Europeia, ecumênica em religião, moral e cultura.

Duda é a face rural, eurocética e ortodoxa na defesa dos valores católicos. Tenta o segundo mandato de cinco anos com o apoio do partido nacionalis­ta Lei e Justiça (PiS), que integrou até assumir a Presidênci­a (presidente­s não podem ser filiados).

Até o começo de maio, o prefeito nem estava nas cédulas. Duda esmagava a candidata da Plataforma Cívica, Małgorzata Kidawa-Błońska, que encolheu a 5% das intenções de voto.

As mesmas pesquisas garantiam ao presidente os mais de 50% necessário­s para vencer no primeiro turno. Então a pandemia piorou, inviabiliz­ou a votação em 10 de maio e a sorte virou para a oposição.

Na Polônia, novo pleito permite novos nomes, e Trzaskowsk­i entrou no dia 15 de maio com 15% dos eleitores; em seis semanas, dobrou esse número; na última quinta (25) apareceu pela primeira vez em vantagem numérica na projeção para o segundo turno —47% a 43%.

A estrela ascendente do primeiro turno nasceu em uma família que há três gerações fundou o primeiro colégio para garotas na Polônia.

Filho de um compositor de jazz, fez teatro e apareceu na TV aos oito anos. Estudou ciência política, é fluente em inglês e francês e não se acanha em falar também italiano, espanhol e russo.

Seu carisma é inegável, dizem Maria Skóra e Aleks Szczerbiak, professor de política da Universida­de de Sussex do Reino Unido, e seu calcanhar de Aquiles é óbvio: os assuntos de moral e comportame­nto.

No ano passado, Trzaskowsk­i patrocinou a primeira parada do orgulho gay da capital polonesa e prometeu aulas antiprecon­ceito nas escolas.

Nas últimas semanas, Duda lançou uma “Carta da Família”, na qual se compromete a impedir que gays se casem ou adotem crianças. Chamou questões LGBT de “ideologia pior que o comunismo” e disse que vai barrar seu ensino.

No jogo das famílias, Trzaskowsk­i rebateu. “Somos muito sortudos por ter a melhor mãe em casa. Obrigado, Góska!”, diz a legenda de uma das fotos em que aparece nas redes sociais com a mulher, a economista Małgorzata, 42, e os filhos Aleksandra, 16, e Stanislaw, 11 (que veste camisa da seleção brasileira num dos vídeos).

O buldogue francês Bubble e até um papagaio já figuraram em suas peças de campanha.

Se Duda assume com facilidade o papel de “homem comum”, Trzaskowsk­i quer desmontar a imagem arrogante da elite: na internet estão imagens de seu carro, sua casa, da padaria e do mercado nos quais faz compras.

Nada parece excepciona­l.

Quando governista­s o provocam afalar sobre aborto, ele diz que não é disso que se trata a eleição e traz o debate para o campo da economia ed apolítica, onde também há desafios, segundoSz cz erbiakeSkó­ra.

Faz cinco anos que o governo do PiS investe em programas sociais para os mais pobres do interior, de onde Duda tira seu maior apoio. O prefeito intensific­ou visitas acidades menores e garantiu não tocar nos benefícios.

N apolítica, amens age mé a “crítica construtiv­a”: barrar o avanço do PiS sem provocar um bloqueio institucio­nal. Vista como decorativa em regimes parlamenta­ristas, a Presidênci­a na Polônia tem ferramenta­s para causar estragos se estiver nas mãos da oposição.

Estão com o PiS o poder Executivo e a maioria na Assembleia (equivalent­e à Câmara dos Deputados) para aprovar suas políticas, mas o presidente tem poder de veto (e o governo atual não tem os dois terços necessário­s para derrubá-los).

O ocupante da Presidênci­a pode também propor referendos, desde que aprovados pelo Senado —onde a oposição é maioria. Não menos relevante, ele também tem poder de barrar indicações para o Judiciário, uma das áreas em que o atual governo mais interveio.

“O PiS não está interessad­o apenas em administra­r. Tem um projeto de transforma­ção radical do Estado, que está pondo em prática. O que está em jogo nesta eleição é se vai manter ou não caminho livre para isso”, diz Szczerbiak.

Nesse campo, a oposição garante que fará “crítica construtiv­a”. A estratégia é apelar não para os adversário­s de Duda, mas para os simpatizan­tes que temem passar um cheque em branco ao governo.

“Já fomos longe demais” (mamy dość) é um de seus principais bordões. Como o voto é opcional na Polônia, esses eleitores nem precisam virar casaca. Basta ficarem em casa.

Trzaskowsk­i tem sido cauteloso e disciplina­do na campanha, dizem Szczerbiak e Skóra, mas a calmaria é aparente. Se a oposição vencer, a política polonesa entrará em águas turbulenta­s, preveem os analistas.

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