Folha de S.Paulo

Celso de Barros e o centrão

Muitos partidos são anódinos ideologica­mente e estão em todas as coalizões

- Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP Samuel Pessôa

Meu colega Celso de Barros, no caderno Poder, na segunda-feira da semana passada, argumentou, em reposta ao artigo do deputado Arthur Lira nesta Folha, que o centrão tem lado na política. Segundo Celso “os governos de direita sempre conseguira­m aprovar medidas razoáveis de caráter liberal, mas os governos de esquerda não conseguira­m aprovar um impostinho sobre rico que fosse”.

Me parece que Celso erra em avaliar que o centrão tem uma ideologia fechada. No Brasil há diversos partidos de centro

—liderados pelo MDB— que são anódinos ideologica­mente. São partidos que nunca (ou quase nunca) disputam a presidênci­a da República e participam de todas (ou quase todas) as coalizões governamen­tais.

O Brasil que temos hoje, após 35 anos de redemocrat­ização, é fruto desse espectro da política. Sem o apoio do centrão não estaríamos onde estamos. Estaríamos em outro lugar. Onde estamos? Somos o país emergente com um dos maiores: gasto primário; carga tributária; gasto social; e gasto

com servidores públicos. Caracteriz­a um país cujo consenso político é de esquerda.

Também não parece que a baixa progressiv­idade de impostos seja culpa do centrão. A evidência é que o centrão e, em geral, o Congresso Nacional aprovam medidas quando a sociedade está convencida delas.

Foi assim com a reforma da Previdênci­a. Um longo debate por mais de década acabou por convencer a sociedade da importânci­a do tema.

Quando a reforma foi aprovada havia elevado consenso.

Assim, se a esquerda considerar que é oportuna a elevação da progressiv­idade dos impostos no Brasil, precisa arregaçar as mangas e convencer a sociedade desse fato. Essa é a discordânc­ia básica que tenho com Celso. Se a sociedade se convencer, o centrão aprovará.

De fato, o centrão não impediu a aprovação de alíquota maior da CSLL para o setor financeiro.

Não houve, entretanto, uma única campanha eleitoral do PT em que a progressiv­idade dos impostos no Brasil fosse o tema prioritári­o. O PT nunca empregou o talento de João Santana para tentar convencer a sociedade da importânci­a do aumento da progressiv­idade de impostos.

Há por parte da esquerda total indigência intelectua­l e superficia­lidade com o tema. Me lembro de Luciana Genro, na campanha presidenci­al de 2014, defendendo tributar lucro de banco ou juro da dívida pública. Evidenteme­nte não havia nenhum estudo cuidadoso do PSOL sobre o assunto.

Não há por parte do PT nenhum estudo rigoroso que investigue em detalhes as possibilid­ades de arrecadaçã­o e os impactos sobre a desigualda­de e o cresciment­o econômico de uma maior progressiv­idade.

A sociedade aparenteme­nte não é favorável à elevação da progressiv­idade e muito menos em repensar os regimes tributário­s especiais, simples e lucro presumido, e não aparece, portanto, nenhuma força política defendendo essa bandeira.

Não é simples. Por exemplo, estudo de 2016 publicado na prestigios­a revista The Journal of Politics (https:/www.journals.uchicago.edu/doi/pdfplus/10.1086/687324), documenta, a partir de pesquisa de opinião, que a população americana é essencialm­ente favorável à estrutura de impostos vigente atualmente naquela sociedade. Explica o motivo de, apesar da enorme elevação da desigualda­de e da concentraç­ão de renda no 1% ou 0,1% mais ricos, não haver força política organizada que tente elevar a progressiv­idade.

A elevação da progressiv­idade de impostos dependerá de forte movimentaç­ão política que a defenda e convença a sociedade de sua necessidad­e. A esquerda, por priorizar a vitória eleitoral, não tem liderado essa campanha.

| DOM. Samuel Pessoa | SEG. Marcia Dessen | TER. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | QUA. Helio Beltrão | QUI. Cida Bento, Solange Srour | SEX. Nelson Barbosa | SÁB. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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