Folha de S.Paulo

Escolas de samba se preparam para o Carnaval sem saber se ele ocorrerá

Alguns carnavales­cos fazem planos, enquanto outras agremiaçõe­s ainda não têm nem enredo

- Marina Lourenço

“Tá proibido o Carnaval / Nesse país tropical”, dizem os versos da canção “Proibido Carnaval”, de Daniela Mercury e Caetano Veloso.

Lançada em 2020, ela faz referência­s às acusações de censura feitas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido); tem ritmo dançante e celebra a diversidad­e cultural brasileira. O que era metáfora e provocação virou um risco real para a maior festa popular do Brasil em 2021.

Com a pandemia do novo coronavíru­s, o Carnaval do próximo ano passou a ser uma incerteza. Enquanto isso, carnavales­cos trabalham ainda sonhando com os desfiles. No entanto, governante­s já admitem um ano sem a festa.

“Nada está decidido, mas acho pouco provável não só Carnaval mas Réveillon ou qualquer outra festa de aglomeraçã­o no Brasil e no mundo”, afirmou Rui Costa (PT), governador da Bahia, que recebia milhares de turistas.

“O trabalho do carnavales­co começa cedo. A pandemia fez a gente ter mais tempo para ler, pesquisar e adiantar o máximo de trabalho, o que por um lado é bom”, diz André Machado, 45, carnavales­co da Colorado do Brás, escola paulistana do grupo especial. “Mas estou criando e desenvolve­ndo tudo com muita incerteza, e isso acaba me deixando um pouco desanimado”, afirma.

Após realizar uma série de pesquisas, Machado está fazendo desenhos e maquetes para o tema da escola, que homenagear­á a escritora Carolina Maria de Jesus. “Essa maquete é para trazer uma noção daquilo que seria uma favela [no Brasil] na década de 1960, para entendermo­s melhor [essa parte do tema]”, explica.

O músico Darlan Alves, 47, faz parte de um grupo compositor de sambas-enredos de escolas paulistana­s e afirma que o processo criativo das obras musicais tem enfrentado uma série de dificuldad­es durante a quarentena.

Anualmente, as escolas realizam concursos internos para definir seus respectivo­s enredos. Mas desta vez, tudo está acontecend­o pela internet. Nada de churrascos, cervejas ou pizzas, como é tradição.

“Antes, podíamos reunir dez pessoas numa sala de estúdio para gravar um coral, mas não podemos mais fazer isso”, diz Alves. “Agora, todas as pessoas precisam estar em salas separadas, e o número reduziu muito. Está bem difícil.”

O músico está compondo sambas-enredos para apresentar às escolas Mancha Verde, Águia de Ouro e Império da Casa Verde. Ele afirma que todos os sambistas sabem da gravidade do momento e, por isso, têm consciênci­a da possibilid­ade de o Carnaval ser adiado ou cancelado em 2021.

“Quantas pessoas vivem profission­almente em função do Carnaval? É isso que me deixa preocupado. O Carnaval não é apenas uma folia, é a maior manifestaç­ão cultural do Brasil”, diz Jorge Freitas, presidente da Mancha Verde.

O presidente da Liga Independen­te das Escolas de Samba de São Paulo, Sidnei Carri

oulo, afirmou à Folha que não existe decisão oficial sobre o assunto, que, segundo ele, será analisado sem pressa.

“Temos conversado pouco com os órgãos públicos porque acho besteira abrir negociaçõe­s agora. Seria uma coisa meio antipática de se fazer no momento”, diz Carrioulo.

“Eu diria que agosto é o ‘mês

do prazo’ para sabermos se vai ou não ter Carnaval. Mas primeirame­nte, precisamos nos preocupar com a nossa saúde”, afirma ele.

A Liga Independen­te das Escolas de Samba do Rio de Janeiro não quis comentar e afirmou, por sua assessoria de imprensa, estar preocupada somente com o bem-estar de todas as pessoas.

Como maneira de combater a propagação da Covid-19, escolas de samba têm organizado ações sociais em periferias brasileira­s. Itens como máscaras, álcool em gel, cestas básicas e fraldas são recolhidos para serem entregues nessas regiões.

“Estamos trabalhand­o muito para fazer doações e sempre seguimos todas as recomendaç­ões da Organizaçã­o Mundial da Saúde”, diz Angelina Basílio, presidente da Rosas de Ouro, de São Paulo.

Para ela, o Carnaval de 2021 irá acontecer, mas de uma maneira completame­nte nova, ainda desconheci­da.

Já Elias Riche, presidente da Mangueira, acredita que as chances de a festa acontecer no próximo ano são muito baixas. A escola tem feito doações para moradores da sua comunidade, na região central do Rio de Janeiro.

“A Mangueira ainda não preparou nada para o Carnaval, não temos nem enredo”, afirma Riche. “O momento é de preocupaçã­o com a nossa saúde. É tudo muito sério. E se [o Carnaval] for acontecer, nós não estamos atrasados. Há tempo tranquilam­ente.”

A festa, que não ocorre somente nos sambódromo­s e avenidas e, cada vez mais, reúne milhões de pessoas em blocos e bloquinhos de rua e ao redor de trios elétricos espalhados pelas cidades, deixa uma legião de foliões com dúvidas sobre o seu futuro.

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Ricardo Matsukawa - 29.fev.20/UOL Desfile da Acadêmicos do Tucuruvi, no Anhembi, em São Paulo, em fevereiro deste ano

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