Professora que atuava na prevenção à Covid em Salvador morre aos 59 anos
Pedagoga, militante antirracista, pré-candidata a vereadora pelo PCdoB, moradora da periferia de Salvador, Clarice Pereira dos Santos teve sua história militante interrompida na segundafeira (22), aos 59 anos.
Professora Clarice, como era conhecida na comunidade do Vale das Pedrinhas, onde passou a vida, faleceu no Hospital Português seis dias depois de testar positivo para a Covid-19.
A iniciativa de fazer o exame surgiu depois do diagnóstico positivo do marido, Valdir Campos Estrela, conta Marilene Bretos, diretora de assuntos jurídicos da seção baiana da Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB-Sindicato).
Segundo a dirigente, Clarice havia se queixado de um pequeno mal-estar, acompanhado de dores na garganta. O quadro rapidamente evoluiu para perda de apetite, febre e falta de ar. Levada para a emergência da unidade hospitalar no sábado (20), chegou com quadro de pneumonia e funções renais comprometidas, mas consciente. No dia seguinte (21), deu entrada na UTI, onde faleceu em 24 horas.
“No domingo, a médica nos
disse que ela havia reagido bem às medicações, [a morte] pegou a todos de surpresa”, lembra Marilene. “Ainda na segunda, ela [Clarice] mandou mensagens, dizia que estava bem, que sairia bem bonita do hospital.”
Ela recorda que a aflição de todos que faziam parte do círculo de Clarice começou na tarde da segunda, com a demora na divulgação do boletim médico. “Às 23h, quando o hospital fez contato com a família, já foi para pedir que levassem os documentos dela.”
Clarice trabalhou durante 35 anos como professora das redes públicas estadual e municipal,
sempre na mesma comunidade onde nasceu.
No ano de 1982, iniciou a militância política com a filiação do PCdoB, então considerado clandestino pela ditadura militar. Também foi uma das fundadoras do primeiro núcleo da União de Negros Pela Igualdade (Unegro) na comunidade onde morava.
Três anos depois, em 1985, passou a fazer parte da APLBSindicato, entidade da qual foi uma das diretoras até morrer. Foi candidata a vereadora na capital baiana nos pleitos municipais de 2008, 2012 e 2016.
“Como mulher negra, de origem pobre, ela sempre pautou sua vida na luta pelo desenvolvimento das pessoas. Era comprometida não só com os alunos, mas com as famílias deles e com a comunidade”, descreve a dirigente.
Ainda no primeiro mês de isolamento social, Clarice divulgou um vídeo na rede social Instagram, no qual chamava a atenção dos seguidores para a necessidade de respeitar as medidas de distanciamento, sobretudo nos bairros da periferia de Salvador.
“Estou muito preocupada ao ver pessoas jogando dominó, fazendo churrasco, conversando na rua, bebendo cerveja. Estamos chegando a um dos estágios mais graves. Gente, vamos evitar sair, vamos usar as máscaras”, postou no dia 15 de abril passado.
A notícia de sua morte repercutiu na imprensa local, entre colegas, comunidade, entidades representativas de classe e nas secretarias municipal e estadual de educação.
“Em nome da secretaria, expresso nossas condolências”, escreveu o secretário municipal de Educação, Bruno Barral. “A professora Clarice deixa a sua contribuição como educadora, na militância sindical e no combate ao racismo”, diz a nota divulgada pela Secretaria de Educação do Estado.
Clarice foi cremada no cemitério Campo Santo na terça-feira (23), em cerimônia reservada. Sem filhos, deixou o marido Valdir, além de outros familiares.