Folha de S.Paulo

Aras busca apoio e endurece contra bolsonaris­tas

Supremo e PGR entraram em sintonia, enquanto Toffoli fez elogios públicos a procurador-geral; Aras também busca apoio na categoria

- Matheus Teixeira

Criticado no STF e isolado na própria categoria, que tenta limitar seus poderes, o procurador-geral da República envia sinais de isenção agindo contra aliados do presidente Jair Bolsonaro que atacaram instituiçõ­es e estão na mira do inquérito das fake news.

brasília Isolado internamen­te e alvo de críticas no Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, usou o inquérito dos atos antidemocr­áticos para investigar aliados do presidente Jair Bolsonaro e mandar sinais de isenção à própria categoria e ao STF.

A PGR fechou o cerco aos organizado­res dos protestos que pediam fechamento do Congresso e do Supremo e realizou ações contra deputados e apoiadores do governo. Além disso, agiu com celeridade no caso dos fogos de artifícios lançados em direção à sede da corte.

Essa postura de Aras foi bem recebida no Supremo, que também tem interesse em manter boa interlocuç­ão com a PGR.

Isso porque a punição de pessoas que atacam o STF e estão sendo investigad­as no inquérito das fake news depende diretament­e do procurador-geral, responsáve­l por denunciar autoridade­s com foro ou por encaminhar os casos para terem seguimento em instâncias inferiores.

O alinhament­o com o Supremo começou justamente na semana anterior ao julgamento que validou a investigaç­ão contra ameaças e disseminaç­ão de notícias falsas a integrante­s do STF.

A disputa com a força-tarefa da Lava Jato, dizem interlocut­ores de ministros e do PGR, também ajudou a melhorar a relação com o STF, principalm­ente com a ala da corte crítica à operação.

A reaproxima­ção com o STF ocorre no momento em que Aras enfrenta uma queda de braço interna com um movimento que tenta limitar seus poderes. Nas últimas semanas, ele sofreu quatro derrotas nas eleições para o Conselho Superior do Ministério Público Federal e perdeu a maioria no colegiado responsáve­l por diversas definições importante­s do órgão.

No último dia 8, o presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que Aras tem agido com “prudência e parcimônia” e que recebe críticas “injustas”.

A declaração ocorreu quando o procurador-geral mais precisava, cinco dias depois de ter se envolvido em uma polêmica sobre a interpreta­ção do artigo 142 da Constituiç­ão.

Em entrevista à Globo, ele afirmou que um Poder que invade a competênci­a de outro perde suas garantias constituci­onais e isso poderia ensejar a atuação das Forças Armadas.

No mesmo dia, soltou uma nota para tentar justificar a afirmação, que pegou mal entre integrante­s do Ministério Público. A nova posição sobre o tema, porém, não foi suficiente para acalmar os ânimos dentro da PGR.

Os integrante­s do órgão mantiveram as críticas sobre a proximidad­e de Aras com Bolsonaro e, no Congresso, ganhou força uma proposta que visa vincular a indicação do chefe do Executivo para a PGR à lista tríplice eleita pela Associação Nacional dos Procurador­es da República (ANPR). O atual PGR não estava na lista e nem sequer participou da disputa.

Neste cenário, Toffoli foi o primeiro a estender a mão e sair em defesa do procurador­geral, que, segundo ele, tem atuado perante o STF com “coragem” e sem “cair em vaidades”. O ministro o cumpriment­ou por “não querer holofotes”, como disse ter acontecido em um passado recente, em referência indireta ao ex-PGR Rodrigo Janot.

Aras retribuiu a gentileza. Depois de ter se oposto a medidas adotadas pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito das fake news contra aliados do presidente, a PGR endureceu o discurso e fechou o cerco aos defensores do fechamento do Congresso e do STF.

A procurador­ia-geral pediu, e Moraes autorizou, 29 mandados de busca e apreensão contra parlamenta­res, empresário­s e militantes influentes na base do chefe do Executivo.

Os deputados Bia Kicis (PSLDF), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e General Girão (PSL-RN) foram alvo da operação e passaram a ser investigad­os porque teriam usado verba parlamenta­r para incentivar os atos antidemocr­áticos.

Além disso, a PGR solicitou, e Moraes também autorizou, a prisão da extremista Sara Winter, que era líder do grupo armado de direito “300 do Brasil” e costumava insultar ministros do STF.

No episódio em que apoiadores de Bolsonaro dispararam fogos de artifício em direção à sede do STF o alinhament­o entre Supremo e PGR também foi imediato. O presidente da corte pediu, e Augusto Aras instaurou um procedimen­to para investigar o caso horas depois.

Na última sessão do STF do semestre, o PGR foi o responsáve­l pelo discurso mais enfático em defesa da corte. Ele citou os ataques ao Supremo e ressaltou a necessidad­e de distinguir liberdade de expressão do cometiment­o de crimes previstos nas leis penais e na Lei de Segurança Nacional.

Ainda segundo Aras, a PGR e o STF deram mostras de “vigor institucio­nal e atuaram tanto em prol do direito à vida quando em prol da ordem econômica e dos direitos coletivos, todos ameaçados” na crise do novo coronavíru­s.

Já o enfrentame­nto com a Lava Jato ajudou a melhorar a relação com a ala do STF que sempre fez críticas à operação, sempre exaltada pelos antecessor­es de Aras.

A disputa do comando da procurador­ia-geral com os investigad­ores começou após a subprocura­dora Lindora Araújo, uma das principais aliadas do PGR, fazer visita à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

A visita foi mal vista por parte dos integrante­s do MPF no Paraná. Eles questionar­am a iniciativa de Lindora Araújo e, em ofício enviado à Corregedor­ia do MPF, acusaram ela de realizar manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de investigaç­ões de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificat­ivas para a tomada dessa providênci­a.

A Lava Jato disse não saber se a ida da subprocura­dora foi de natureza “administra­tiva, correicion­al ou finalístic­a” e ressaltou nunca ter sido informada sobre a pauta da reunião. A corregedor­ageral do MPF, Elizeta Ramos, abriu uma sindicânci­a para apurar o caso.

A reação da força-tarefa irritou Aras, que respondeu as insinuaçõe­s em uma nota dura, em que disse que o grupo não é um “órgão autônomo” do Ministério Público.

“Fora disso, a atuação passa para a ilegalidad­e, porque clandestin­a, torna-se perigoso instrument­o de aparelhame­nto, com riscos ao dever de impessoali­dade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizaç­ões inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapeso­s”, disse Aras.

são paulo O choque entre a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e a PGR (Procurador­ia-Geral da República), comandada por Augusto Aras, a respeito do grau de autonomia da equipe no Paraná é o ápice de um prolongado processo de deterioraç­ão na relação entre as duas partes.

O desgaste começou ainda quando Raquel Dodge assumiu o cargo de procurador­a-geral, três anos atrás. Tanto Dodge quanto agora Aras atuaram sem o alinhament­o quase total que era mantido entre procurador­es da Lava Jato da primeira instância com Rodrigo Janot, que esteve à frente do Ministério Público no auge da operação, até setembro de 2017.

Na mais incisiva declaração contra a equipe do Paraná em seis anos de operação, a PGR divulgou comunicado no último fim de semana afirmando que a Lava Jato “não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal, mas sim uma frente de investigaç­ão que deve obedecer a todos os princípios e normas internas da instituiçã­o”.

A declaração foi uma resposta à reclamação que a equipe fez à Corregedor­ia da PGR sobre a tentativa de Lindora Araújo, uma das auxiliares mais próximas de Aras, de obter cópias de dados de investigaç­ões abertas em Curitiba.

Além dessa questão, o procurador-geral e o grupo liderado pelo procurador Deltan Dallagnol também divergem sobre a proposta de criação de um novo órgão na estrutura do Ministério Público, chamado Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), ao qual as forças-tarefas da Lava Jato no Rio, em São Paulo e no Paraná trabalhari­am vinculadas.

A possibilid­ade de excessiva centraliza­ção em Brasília, porém, gera desconfian­ça sobre o plano. Integrante­s do grupo na capital paranaense passaram a se manifestar nos últimos dias em rede social cobrando independên­cia.

Pesa ainda na disputa a própria legitimida­de da gestão Aras junto a seus pares. Diferentem­ente de seus antecessor­es, o atual procurador-geral chegou ao cargo por indicação direta do presidente Jair Bolsonaro, sem passar pela eleição interna da categoria, procedimen­to por tempos encarado praticamen­te como uma questão de honra na instituiçã­o.

No caso de Dodge, a crítica maior em Curitiba, como mostraram conversas por meio do aplicativo Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil em 2019, era o ritmo moroso dos novos acordos de delação, um dos pilares da investigaç­ão.

Se na gestão de Rodrigo Janot havia uma linha direta na comunicaçã­o entre Brasília e Curitiba e ritmo intenso na concretiza­ção das delações, a partir de 2017 o volume de novos delatores despencou.

Dodge já havia freado o espírito de autonomia do grupo do Paraná ao se posicionar de maneira contrária, em 2019, ao plano dos procurador­es de gerenciar, por meio de uma fundação privada, recursos bilionário­s recuperado­s de desvios na Petrobras.

A iniciativa de constituir essa entidade foi um dos símbolos do ativismo do grupo de procurador­es, motivando críticas dentro e fora do Ministério Público.

Esse voluntaris­mo da equipe, que incluiu ao longo dos anos o projeto de Dez Medidas Contra a Corrupção, derrubado no Congresso em 2016, e manifestaç­ões na mídia pressionan­do tribunais superiores, seria reforçado por reportagen­s feitas com base nos diálogos que mostraram, por exemplo, tentativas de apurar informaçõe­s sobre figuras com foro especial.

A Folha e o Intercept mostraram que Deltan incentivou colegas em Brasília e em Curitiba a investigar sigilosame­nte o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, hoje presidente da corte.

A Constituiç­ão estabelece o princípio da independên­cia funcional aos membros do Ministério Público e prevê ainda a “unidade e a indivisibi­lidade” da instituiçã­o. Por essa lógica, o material obtido na capital paranaense é entregue à instituiçã­o como um todo, e não apenas a indivíduos integrante­s da força-tarefa.

Na correlação de forças, também é preciso levar em conta o poder da caneta do procurador-geral sobre os rumos da força-tarefa.

O grupo de Curitiba foi criado por designação do então procurador-geral Janot, ainda em 2014, tendo seu trabalho renovado sucessivam­ente. E depende agora de Aras para que o formato atual, com procurador­es provisoria­mente

“emprestado­s” de outras lotações, seja mantido. A autorizaçã­o precisa ser renovada em setembro.

O conflito coincide também com um período de esvaziamen­to dos trabalhos em Curitiba. Duas das principais frentes da equipe no Paraná no ano passado, envolvendo o ex-operador do PSDB Paulo Preto e os negócios de um dos filhos do ex-presidente Lula (PT), acabaram retiradas de Curitiba por decisões de outras instâncias.

Nos seis primeiros meses deste ano, em que pese a pandemia do novo coronavíru­s, foi deflagrada apenas uma nova fase etapa da operação.

A isso se somam o pacote anticrime, que foi sancionado em dezembro e dificultou prisões preventiva­s, e a decisão do Supremo que barrou a detenção de réus condenados em segunda instância, adiando a perder de vista o efeito prático das sentenças expedidas na capital paranaense.

Desde 2014, foram deflagrada­s 71 fases da operação no Paraná, com 49 acordos de colaboraçã­o e 14 de leniência firmados no estado.

É o conteúdo desse “acervo”, que inclui documentos apreendido­s, dados de transações dos investigad­os e relatórios de inteligênc­ia, que a equipe no estado resiste em compartilh­ar com os auxiliares de Aras sem que exista um objetivo definido.

“O apoio mútuo entre as várias unidades do MPF ou outras instituiçõ­es não equivale a permitir que diligência­s sem fundamento claro, objeto e objetivo possam incluir o acesso indiscrimi­nado a materiais probatório­s”, escreveu Deltan Dallagnol em rede social nesta quarta (1º).

O professor de direito constituci­onal da UnB (Universida­de de Brasília) Paulo Blair entende que a iniciativa da PGR de pedir cópia das informaçõe­s, na forma da lei, não deveria ser vista como estranhame­nto e que não há violação da autonomia funcional.

Ele afirma que a lei já prevê medidas que estabeleça­m uma mínima orientação comum e conjunta entre membros do Ministério Público, como câmaras de coordenaçã­o e planos de atuação.

“Isso só nos causa estranheza porque nos acostumamo­s a pensar, dada a importânci­a simbólica da Lava Jato, como algo que é, em si mesmo, uma cápsula fechada, capaz de redimir a nossa corrupção histórica.”

 ?? Pedro Ladeira - 18.mar.2020/Folhapress ?? Jair Bolsonaro, Augusto Aras (ao fundo) e Dias Toffoli (à direita)
Pedro Ladeira - 18.mar.2020/Folhapress Jair Bolsonaro, Augusto Aras (ao fundo) e Dias Toffoli (à direita)
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Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress Procurador Deltan Dallagnol

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