Aras busca apoio e endurece contra bolsonaristas
Supremo e PGR entraram em sintonia, enquanto Toffoli fez elogios públicos a procurador-geral; Aras também busca apoio na categoria
Criticado no STF e isolado na própria categoria, que tenta limitar seus poderes, o procurador-geral da República envia sinais de isenção agindo contra aliados do presidente Jair Bolsonaro que atacaram instituições e estão na mira do inquérito das fake news.
brasília Isolado internamente e alvo de críticas no Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, usou o inquérito dos atos antidemocráticos para investigar aliados do presidente Jair Bolsonaro e mandar sinais de isenção à própria categoria e ao STF.
A PGR fechou o cerco aos organizadores dos protestos que pediam fechamento do Congresso e do Supremo e realizou ações contra deputados e apoiadores do governo. Além disso, agiu com celeridade no caso dos fogos de artifícios lançados em direção à sede da corte.
Essa postura de Aras foi bem recebida no Supremo, que também tem interesse em manter boa interlocução com a PGR.
Isso porque a punição de pessoas que atacam o STF e estão sendo investigadas no inquérito das fake news depende diretamente do procurador-geral, responsável por denunciar autoridades com foro ou por encaminhar os casos para terem seguimento em instâncias inferiores.
O alinhamento com o Supremo começou justamente na semana anterior ao julgamento que validou a investigação contra ameaças e disseminação de notícias falsas a integrantes do STF.
A disputa com a força-tarefa da Lava Jato, dizem interlocutores de ministros e do PGR, também ajudou a melhorar a relação com o STF, principalmente com a ala da corte crítica à operação.
A reaproximação com o STF ocorre no momento em que Aras enfrenta uma queda de braço interna com um movimento que tenta limitar seus poderes. Nas últimas semanas, ele sofreu quatro derrotas nas eleições para o Conselho Superior do Ministério Público Federal e perdeu a maioria no colegiado responsável por diversas definições importantes do órgão.
No último dia 8, o presidente do STF, Dias Toffoli, afirmou que Aras tem agido com “prudência e parcimônia” e que recebe críticas “injustas”.
A declaração ocorreu quando o procurador-geral mais precisava, cinco dias depois de ter se envolvido em uma polêmica sobre a interpretação do artigo 142 da Constituição.
Em entrevista à Globo, ele afirmou que um Poder que invade a competência de outro perde suas garantias constitucionais e isso poderia ensejar a atuação das Forças Armadas.
No mesmo dia, soltou uma nota para tentar justificar a afirmação, que pegou mal entre integrantes do Ministério Público. A nova posição sobre o tema, porém, não foi suficiente para acalmar os ânimos dentro da PGR.
Os integrantes do órgão mantiveram as críticas sobre a proximidade de Aras com Bolsonaro e, no Congresso, ganhou força uma proposta que visa vincular a indicação do chefe do Executivo para a PGR à lista tríplice eleita pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O atual PGR não estava na lista e nem sequer participou da disputa.
Neste cenário, Toffoli foi o primeiro a estender a mão e sair em defesa do procuradorgeral, que, segundo ele, tem atuado perante o STF com “coragem” e sem “cair em vaidades”. O ministro o cumprimentou por “não querer holofotes”, como disse ter acontecido em um passado recente, em referência indireta ao ex-PGR Rodrigo Janot.
Aras retribuiu a gentileza. Depois de ter se oposto a medidas adotadas pelo ministro Alexandre de Moraes no inquérito das fake news contra aliados do presidente, a PGR endureceu o discurso e fechou o cerco aos defensores do fechamento do Congresso e do STF.
A procuradoria-geral pediu, e Moraes autorizou, 29 mandados de busca e apreensão contra parlamentares, empresários e militantes influentes na base do chefe do Executivo.
Os deputados Bia Kicis (PSLDF), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e General Girão (PSL-RN) foram alvo da operação e passaram a ser investigados porque teriam usado verba parlamentar para incentivar os atos antidemocráticos.
Além disso, a PGR solicitou, e Moraes também autorizou, a prisão da extremista Sara Winter, que era líder do grupo armado de direito “300 do Brasil” e costumava insultar ministros do STF.
No episódio em que apoiadores de Bolsonaro dispararam fogos de artifício em direção à sede do STF o alinhamento entre Supremo e PGR também foi imediato. O presidente da corte pediu, e Augusto Aras instaurou um procedimento para investigar o caso horas depois.
Na última sessão do STF do semestre, o PGR foi o responsável pelo discurso mais enfático em defesa da corte. Ele citou os ataques ao Supremo e ressaltou a necessidade de distinguir liberdade de expressão do cometimento de crimes previstos nas leis penais e na Lei de Segurança Nacional.
Ainda segundo Aras, a PGR e o STF deram mostras de “vigor institucional e atuaram tanto em prol do direito à vida quando em prol da ordem econômica e dos direitos coletivos, todos ameaçados” na crise do novo coronavírus.
Já o enfrentamento com a Lava Jato ajudou a melhorar a relação com a ala do STF que sempre fez críticas à operação, sempre exaltada pelos antecessores de Aras.
A disputa do comando da procuradoria-geral com os investigadores começou após a subprocuradora Lindora Araújo, uma das principais aliadas do PGR, fazer visita à força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
A visita foi mal vista por parte dos integrantes do MPF no Paraná. Eles questionaram a iniciativa de Lindora Araújo e, em ofício enviado à Corregedoria do MPF, acusaram ela de realizar manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de investigações de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativas para a tomada dessa providência.
A Lava Jato disse não saber se a ida da subprocuradora foi de natureza “administrativa, correicional ou finalística” e ressaltou nunca ter sido informada sobre a pauta da reunião. A corregedorageral do MPF, Elizeta Ramos, abriu uma sindicância para apurar o caso.
A reação da força-tarefa irritou Aras, que respondeu as insinuações em uma nota dura, em que disse que o grupo não é um “órgão autônomo” do Ministério Público.
“Fora disso, a atuação passa para a ilegalidade, porque clandestina, torna-se perigoso instrumento de aparelhamento, com riscos ao dever de impessoalidade, e, assim, alheia aos controles e fiscalizações inerentes ao Estado de Direito e à República, com seus sistemas de freios e contrapesos”, disse Aras.
são paulo O choque entre a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e a PGR (Procuradoria-Geral da República), comandada por Augusto Aras, a respeito do grau de autonomia da equipe no Paraná é o ápice de um prolongado processo de deterioração na relação entre as duas partes.
O desgaste começou ainda quando Raquel Dodge assumiu o cargo de procuradora-geral, três anos atrás. Tanto Dodge quanto agora Aras atuaram sem o alinhamento quase total que era mantido entre procuradores da Lava Jato da primeira instância com Rodrigo Janot, que esteve à frente do Ministério Público no auge da operação, até setembro de 2017.
Na mais incisiva declaração contra a equipe do Paraná em seis anos de operação, a PGR divulgou comunicado no último fim de semana afirmando que a Lava Jato “não é um órgão autônomo e distinto do Ministério Público Federal, mas sim uma frente de investigação que deve obedecer a todos os princípios e normas internas da instituição”.
A declaração foi uma resposta à reclamação que a equipe fez à Corregedoria da PGR sobre a tentativa de Lindora Araújo, uma das auxiliares mais próximas de Aras, de obter cópias de dados de investigações abertas em Curitiba.
Além dessa questão, o procurador-geral e o grupo liderado pelo procurador Deltan Dallagnol também divergem sobre a proposta de criação de um novo órgão na estrutura do Ministério Público, chamado Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado), ao qual as forças-tarefas da Lava Jato no Rio, em São Paulo e no Paraná trabalhariam vinculadas.
A possibilidade de excessiva centralização em Brasília, porém, gera desconfiança sobre o plano. Integrantes do grupo na capital paranaense passaram a se manifestar nos últimos dias em rede social cobrando independência.
Pesa ainda na disputa a própria legitimidade da gestão Aras junto a seus pares. Diferentemente de seus antecessores, o atual procurador-geral chegou ao cargo por indicação direta do presidente Jair Bolsonaro, sem passar pela eleição interna da categoria, procedimento por tempos encarado praticamente como uma questão de honra na instituição.
No caso de Dodge, a crítica maior em Curitiba, como mostraram conversas por meio do aplicativo Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil em 2019, era o ritmo moroso dos novos acordos de delação, um dos pilares da investigação.
Se na gestão de Rodrigo Janot havia uma linha direta na comunicação entre Brasília e Curitiba e ritmo intenso na concretização das delações, a partir de 2017 o volume de novos delatores despencou.
Dodge já havia freado o espírito de autonomia do grupo do Paraná ao se posicionar de maneira contrária, em 2019, ao plano dos procuradores de gerenciar, por meio de uma fundação privada, recursos bilionários recuperados de desvios na Petrobras.
A iniciativa de constituir essa entidade foi um dos símbolos do ativismo do grupo de procuradores, motivando críticas dentro e fora do Ministério Público.
Esse voluntarismo da equipe, que incluiu ao longo dos anos o projeto de Dez Medidas Contra a Corrupção, derrubado no Congresso em 2016, e manifestações na mídia pressionando tribunais superiores, seria reforçado por reportagens feitas com base nos diálogos que mostraram, por exemplo, tentativas de apurar informações sobre figuras com foro especial.
A Folha e o Intercept mostraram que Deltan incentivou colegas em Brasília e em Curitiba a investigar sigilosamente o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, hoje presidente da corte.
A Constituição estabelece o princípio da independência funcional aos membros do Ministério Público e prevê ainda a “unidade e a indivisibilidade” da instituição. Por essa lógica, o material obtido na capital paranaense é entregue à instituição como um todo, e não apenas a indivíduos integrantes da força-tarefa.
Na correlação de forças, também é preciso levar em conta o poder da caneta do procurador-geral sobre os rumos da força-tarefa.
O grupo de Curitiba foi criado por designação do então procurador-geral Janot, ainda em 2014, tendo seu trabalho renovado sucessivamente. E depende agora de Aras para que o formato atual, com procuradores provisoriamente
“emprestados” de outras lotações, seja mantido. A autorização precisa ser renovada em setembro.
O conflito coincide também com um período de esvaziamento dos trabalhos em Curitiba. Duas das principais frentes da equipe no Paraná no ano passado, envolvendo o ex-operador do PSDB Paulo Preto e os negócios de um dos filhos do ex-presidente Lula (PT), acabaram retiradas de Curitiba por decisões de outras instâncias.
Nos seis primeiros meses deste ano, em que pese a pandemia do novo coronavírus, foi deflagrada apenas uma nova fase etapa da operação.
A isso se somam o pacote anticrime, que foi sancionado em dezembro e dificultou prisões preventivas, e a decisão do Supremo que barrou a detenção de réus condenados em segunda instância, adiando a perder de vista o efeito prático das sentenças expedidas na capital paranaense.
Desde 2014, foram deflagradas 71 fases da operação no Paraná, com 49 acordos de colaboração e 14 de leniência firmados no estado.
É o conteúdo desse “acervo”, que inclui documentos apreendidos, dados de transações dos investigados e relatórios de inteligência, que a equipe no estado resiste em compartilhar com os auxiliares de Aras sem que exista um objetivo definido.
“O apoio mútuo entre as várias unidades do MPF ou outras instituições não equivale a permitir que diligências sem fundamento claro, objeto e objetivo possam incluir o acesso indiscriminado a materiais probatórios”, escreveu Deltan Dallagnol em rede social nesta quarta (1º).
O professor de direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) Paulo Blair entende que a iniciativa da PGR de pedir cópia das informações, na forma da lei, não deveria ser vista como estranhamento e que não há violação da autonomia funcional.
Ele afirma que a lei já prevê medidas que estabeleçam uma mínima orientação comum e conjunta entre membros do Ministério Público, como câmaras de coordenação e planos de atuação.
“Isso só nos causa estranheza porque nos acostumamos a pensar, dada a importância simbólica da Lava Jato, como algo que é, em si mesmo, uma cápsula fechada, capaz de redimir a nossa corrupção histórica.”