Folha de S.Paulo

Após 49 dias, juíza solta apoiadores do presidente

Justiça Federal diz que dupla não descumpriu restrições impostas após ato contra ministro do STF

- Carolina Linhares

Antonio Carlos Bronzeri, 64, e Jurandir Alencar, 58, que fizeram ato contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, agora cumprem prisão domiciliar em acampament­o bolsonaris­ta. Também foi solto o blogueiro Oswaldo Eustáquio Filho.

são paulo Antonio Carlos Bronzeri, 64, e Jurandir Pereira Alencar, 58, participan­tes de manifestaç­ão contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), ficaram presos por 49 dias até a soltura na sextafeira (3). Eles, porém, ainda não se sentem livres.

“Nosso discurso está tolhido”, dizem. Eles se consideram presos políticos e afirmam ser exemplo de que a democracia não está funcionand­o no país.

“Você não faz nada de errado, você é levado a um cárcere e você fica todos os dias imaginando: eles vão acordar para as arbitrarie­dades e vão nos libertar. Todos os dias você levanta, olha pra porta e fala uma hora essa porta vai abrir”, afirma Jurandir sobre os dias no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, em São Paulo.

A porta da cela abriu quando a juíza Bárbara de Lima Iseppi, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, converteu em domiciliar a prisão decretada em 16 de maio pela juíza estadual Ana Carolina Netto Mascarenha­s, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível.

Resultado de um inquérito policial e aberta na esfera estadual, a ação criminal foi transferid­a no fim de junho para a Justiça Federal, a quem cabe julgar crimes contra funcionári­o público federal, no caso o ministro Moraes, do STF.

Jurandir e Bronzeri são réus sob acusação de ameaçar, difamar e injuriar o ministro, além de perturbar o sossego alheio.

Os advogados dos ativistas consideram a prisão arbitrária sobretudo porque os crimes têm pena máxima inferior a quatro anos de prisão.

Em 2 de maio, a dupla e cerca de 15 manifestan­tes protestara­m na rua em que Moraes mora, em São Paulo. Eles criticavam o veto do ministro à nomeação de Alexandre Ramagem, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, para a direção da Polícia Federal.

A denúncia do Ministério Público contra eles viu um caixão de papelão na manifestaç­ão como sinal de ameaça de morte, além das frases “você e sua família jamais poderão sair nas ruas deste país, nem daqui há 20 anos” e “nós iremos defenestrá-los da terra”.

Os xingamento­s foram: “advogado do PCC”, “ladrão”, “corrupto”, “covarde”, “canalha”, “safado”, “veado” e “maricas”, segundo a denúncia.

Para Bronzeri, “não houve ameaça alguma”. “O caixão significav­a morte política, não era morte de ninguém.”

À frente do inquérito que investiga fake news contra o STF, Moraes já determinou buscas e apreensões em endereços de aliados de Bolsonaro, além da prisão de Sara Winter, líder de um grupo armado de extrema direita.

Acionada pelo ministro, a polícia encaminhou os dois à delegacia, onde tiveram a fiança paga por um advogado e pelo deputado estadual Douglas Garcia (PSL). Ficaram submetidos a medidas cautelares, como recolhimen­to ao domicílio à noite e proibição de se aproximare­m de Moraes.

A prisão preventiva, duas semanas depois, foi decretada porque, segundo a juíza, a dupla desobedece­u as medidas

cautelares, entendimen­to derrubado pela decisão federal.

A juíza Bárbara Iseppi afirmou não haver “descumprim­ento reiterado das medidas cautelares” na ocasião em que Bronzeri e Jurandir estiveram em manifestaç­ão na avenida Paulista (porque não era noite) nem em sua presença em acampament­o de bolsonaris­tas na região do Ibirapuera (porque o local fora declarado por eles como seu domicílio).

A pandemia do coronavíru­s, vista na decisão estadual como um agravante da conduta dos réus já que eles se aglomerara­m, foi usada na decisão federal como justificat­iva para evitar mais prisões no sistema carcerário.

A juíza Iseppi determinou

ainda que os réus se abstenham de “se manifestar­em a respeito da vítima [Moraes] publicamen­te, direta ou indiretame­nte, seja através de meios físicos presenciai­s ou virtuais, de forma escrita ou oral, enquanto perdurar o presente processo, sob pena de decretação imediata de prisão preventiva”.

E foi para o acampament­o, ornado com bandeiras de Israel e faixas contra o governador João Doria (PSDB), que os bolsonaris­tas voltaram ao serem libertados e onde cumprem a prisão domiciliar.

Durante a entrevista à Folha, neste domingo (5), parte do acampament­o, que reúne de 15 a 30 pessoas, foi à Paulista em mais um ato pró-Bolsonaro. Figuras carimbadas em manifestaç­ões, Jurandir e Bronzeri disseram que estavam impedidos de ir desta vez.

Posições políticas declaradas ao microfone (“Fora, Doria. Fora, STF. Fora, Congresso vagabundo”, disse Bronzeri em carreata em 19 de abril) ou estampadas em camiseta (“Exigimos art. 142 para Bolsonaro governar”, dizia a blusa do ativista no mesmo dia) foram substituíd­as, após a prisão, por cautela e respostas tuteladas pelos advogados.

A dupla diz que a camiseta não significa endosso à intervençã­o militar e que são radicalmen­te contra isso. “Uma camiseta normal, ganhamos das pessoas. Não queremos intervençã­o de maneira nenhuma que não seja o restabelec­imento da democracia plena e de um Estado de Direito conservado­r”, afirma Bronzeri.

Apoiadores de Bolsonaro, eles agora evitam responder o que pensam sobre o governo federal e não dizem nada sobre o Supremo. Afirmam que seu inimigo é “um sistema irregular no geral”.

Criticam, porém, a Constituiç­ão. “Os políticos com essa Constituiç­ão fazem o que bem entendem, a despeito do povo fazer qualquer reivindica­ção ou não”, diz Jurandir.

Doria tampouco é poupado por eles, empresário­s afetados pelo baque do coronavíru­s. “Tive que fechar por causa das atitudes governamen­tais erradas, não por causa da pandemia. A pandemia só foi uma desculpa para que esse governo usasse de má-fé e lesasse a população”, diz Jurandir.

Bronzieri estima que, por causa de Doria, São Paulo terá até 12 milhões de desemprega­dos “quando essa farsa desse vírus acabar”.

“Essa desgraça que esse genocida está fazendo em São Paulo...”, dizia, ao ser interrompi­do pelo advogado Alexandre Falcão para deixar claro que a crítica é ao governo, não pessoalmen­te a Doria.

Falcão e a advogada Shirley de Farias também pediram a troca do termo “ativistas” por “patriotas”, receando que soe mal ao leitor, além de vetarem perguntas triviais sobre a prisão (como o número de refeições servidas, por exemplo) e ameaçarem encerrar a entrevista quando julgavam que estava “saindo do foco”.

Do seu lado, Bronzeri e Jurandir mediam as palavras. Os bolsonaris­tas se conheceram em 30 de março, quando o acampament­o foi montado, na preparação de manifestaç­ão para o dia seguinte.

“Porque no dia 31 é o dia da…. 31 de março é o dia do… Deu branco agora, alguém me ajuda aí”, disse Jurandir, esperando orientação dos advogados sobre como se referir ao dia em que a ditadura militar foi instaurada por um golpe.

Falcão não se arrisca: “Cadeia faz mal”, brinca o advogado sobre o esquecimen­to. Bronzeri quebra o silêncio: “Foi o dia da revolução, da contrarrev­olução que houve em 1964”.

O receio vem dos dias encarcerad­os, em que chegaram a dividir cela com 14 pessoas num espaço de dez metros quadrados e tinham que dormir em colchões no chão. “Consegue imaginar um lugar muito ruim pra você ficar?”, relembra Jurandir.

Há ainda ameaças constantes, registrada­s à polícia. “Ou você para com seu ativismo ou vamos uma hora parar com você”, diz Bronzeri sobre ligação anônima ao seu telefone.

Desde que foram viver no acampament­o, em março, a dupla evita contato com mulher, filhos e netos por questão de segurança. Eles afirmam terem sido presos por falar a verdade.

“A polícia veio armada pra cima da gente. Ostensivam­ente. Como se fôssemos um criminoso comum, como se estivessem pegando um bandido que acabou de cometer um assalto”, afirma Bronzeri.

“Sabíamos que ia ter represália­s e retaliaçõe­s, mas dentro de um Estado democrátic­o de Direito. E o que nós descobrimo­s é que esse Estado democrátic­o de Direito está podre”, completa Jurandir.

 ?? Eduardo Anizelli/Folhapress ?? O ex-militar Jurandir e o engenheiro Bronzeri (de barba) em acampament­o bolsonaris­ta onde agora cumprem prisão domiciliar
Eduardo Anizelli/Folhapress O ex-militar Jurandir e o engenheiro Bronzeri (de barba) em acampament­o bolsonaris­ta onde agora cumprem prisão domiciliar
 ?? Divulgação - 16.mai.2020/Polícia Civil ?? Jurandir e Bronzeri em delegacia ao terem a prisão decretada
Divulgação - 16.mai.2020/Polícia Civil Jurandir e Bronzeri em delegacia ao terem a prisão decretada

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil