Folha de S.Paulo

Correção incerta

STF precisa encerrar inseguranç­a jurídica em torno de atualizaçã­o de valores de dívidas trabalhist­as

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Sobre índice de atualizaçã­o de dívidas trabalhist­as.

Não bastassem as incertezas econômicas e sociais advindas da pandemia, o país continua convivendo com o agravante da inseguranç­a jurídica em temas de grande impacto para empresas e trabalhado­res.

É o que se vê na discussão sobre o mecanismo de correção monetária de dívidas trabalhist­as, que se arrasta há anos nos tribunais.

A disputa envolve a correção pela TR (taxa referencia­l definida com base na Selic e um fator redutor) ou pelo IPCA-E (um índice de preços ao consumidor). Além da atualizaçã­o monetária, incidem sobre os débitos juros de 12% ao ano.

Até 2015, a Justiça do Trabalho aplicava a TR, que tende a ser mais vantajosa para os empregador­es. Desde que o STF considerou inconstitu­cional o uso da taxa, em favor do IPCA-E, para a correção de precatório­s, contudo, a tese de que o mesmo se deve aplicar aos débitos trabalhist­as ganhou força.

A inseguranç­a aumentou em 2017, quando a reforma da CLT estabelece­u a TR como fator de correção, o que vem sendo ignorado com frequência nos julgamento­s. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já formou maioria pela aplicação do IPCA-E, mas não chegou a concluir o julgamento.

O capítulo mais recente é a liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para a suspensão das decisões judiciais relacionad­as ao mecanismo de correção monetária.

Na prática, até a decisão da corte sobre duas ações diretas de constituci­onalidade em favor do uso da TR, a Justiça do Trabalho está impedida de alterar o critério.

A TR está zerada desde 2017 e de forma geral tem sido mais baixa que o IPCA-E. Definida a partir de critérios artificiai­s (o fator de redução não tem sentido econômico), a TR não cumpre a função essencial de manutenção do poder de compra. O STF agirá bem se finalmente encerrar a controvérs­ia em favor de uma correção monetária definida em plenário.

No entanto há outra excentrici­dade que precisa ser corrigida. No contexto atual, em que a taxa básica de juros da economia está em 2,25% ao ano (-0,7% quando descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses), é abusiva a incidência de juros de 1% ao mês sobre as dívidas. Melhor é adotar um critério que guarde relação com os juros básicos da economia —e não apenas no caso em pauta.

De forma geral, a Justiça precisa ter mais cuidado com os custos que impõe à sociedade, muitas vezes sem guarida na realidade econômica. A respeito do STF, o que mais se pede é previsibil­idade. Temas complexos e de ampla repercussã­o devem ser decididos pelo colegiado, não de forma monocrátic­a. Basta de personalis­mos que esgarçam a confiança na corte.

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