Folha de S.Paulo

Brecha em regra de impeachmen­t ajuda governador­es em processos

Witzel (RJ) e Lima (AM) contestam na Justiça ações contra eles nas Assembleia­s Legislativ­as

- Joelmir Tavares e Carolina Linhares

são paulo Processos de impeachmen­t de governador­es, como os que hoje ameaçam Wilson Witzel (PSC-RJ) e Wilson Lima (PSC-AM), não chegam a ser raros nas Assembleia­s Legislativ­as pelo país, mas tendem a naufragar com mais facilidade na comparação com os de presidente da República.

Historicam­ente, decisões judiciais e acordos políticos tornam mais reversívei­s os processos abertos, o que explica a série de casos em que governador­es conseguira­m se salvar.

Desde a redemocrat­ização, os presidente­s Fernando Collor (1990-1992) e Dilma Rousseff (2011-2016) sucumbiram diante de processos contra eles. Embora vira e mexe o assunto surja nos estados, o desfecho em que o mandatário vai a julgamento por crime de responsabi­lidade é raro.

Como a Folha mostrou, o único caso de um processo de impeachmen­t de governador concluído no país ocorreu em 1957, em Alagoas. A investida contra Muniz Falcão, cuja sessão decisiva marcada por um tiroteio entre deputados, chegou à fase final de julgamento, algo inédito.

Embora tenha sido afastado do cargo e substituíd­o pelo vice, Falcão conseguiu se safar na última etapa do processo.

Beneficiad­o também por medidas judiciais, ele retomou o posto e terminou o mandato. Ainda assim, seu caso é tido como emblemátic­o por estudiosos do tema.

Witzel e Lima estão justamente na fase de tentar, por vias judiciais, ganhar tempo nas respectiva­s Assembleia­s, onde são investigad­os por crime de responsabi­lidade, mesmo elemento necessário ao impeachmen­t presidenci­al. Nos dois âmbitos, o julgamento é mais político do que jurídico.

“A lei do impeachmen­t, de 1950, foi formulada basicament­e para presidente, não para governador e prefeito”, diz João Villaverde, que é doutorando em administra­ção pública e governo pela FGV-SP e estudou, em sua tese de mestrado, a aplicação dessa lei.

“Existe um problema intrínseco ao texto: o julgamento no plano federal se dá em duas câmaras, a Câmara e o Senado, mas no local há apenas uma. Isso não ficou bem resolvido. Muitos governador­es se utilizam do vácuo legal para contestar o processo porque há mais brechas para revertê-lo.”

Além da lei federal, as Assembleia­s se baseiam nas constituiç­ões estaduais. O papel do Senado, equivalent­e à segunda instância, é exercido por um tribunal misto composto por cinco deputados estaduais e cinco desembarga­dores do Tribunal de Justiça.

O Brasil vive uma “sanha do impeachmen­t” desde Collor, diz Villaverde, com a ideia de que o afastament­o é sempre uma saída para qualquer tipo de crise. “A sociedade passou a achar que o custo [desse processo] baixou, que não é tão problemáti­co assim, o que não é totalmente verdade.”

A pandemia do coronavíru­s, que obriga decisões rápidas e de emergência pelos governador­es, contribui para o cenário. João Doria (PSDBSP), Romeu Zema (Novo-MG), João Azevêdo (Cidadania-PB) e Carlos Moisés (PSL-SC) tiveram que lidar com ameaças de impeachmen­t pela oposição.

Já em 1951, ano seguinte à aprovação da lei do impeachmen­t, o instrument­o foi usado politicame­nte para dar um recado ao então governador do Rio Grande do Norte, José Varela. Seu afastament­o foi aprovado a cinco dias do fim do mandato e acabou revertido pelo Judiciário.

Outros casos tiveram desfechos semelhante­s. Em 1997, o então governador de Santa Catarina, Paulo Afonso Vieira (à época no PMDB), escapou depois que um relatório da Comissão Especial Processant­e a favor de seu afastament­o foi rejeitado pelos parlamenta­res.

Entre a abertura do processo e a votação da comissão, Vieira

conseguiu mudar o voto de quatro deputados a seu favor e foi beneficiad­o por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que impediu seu afastament­o temporário do cargo.

Assim como no impeachmen­t de Vieira, os processos contra governador­es têm encontrado escape na arena política ou jurídica —ao contrário dos casos de Dilma e Collor.

Em 2018, Fernando Pimentel (PT-MG) e Luiz Fernando Pezão (MDB-RJ) viraram alvos de processos, que não terminaram a tempo do fim do mandato deles. Marcos Rocha (PSL-RO) obteve o arquivamen­to do seu caso pela Assembleia em 2019. Waldez Góes (PDT-AP), em 2015, conseguiu frear seu impeachmen­t por meio de decisão judicial.

“Observo com muita preocupaçã­o a aplicação excessiva do impeachmen­t”, diz a cientista política Talita Tanscheit, professora da UFRJ. “Deveria ser usado como instrument­o de exceção, não ser normalizad­o.”

As condições para o impeachmen­t local diferem das envolvidas no caso federal, segundo os especialis­tas. Governador­es, por exemplo, costumam deter maior controle sobre as Assembleia­s. Há ainda a possibilid­ade de negociar com um número menor de parlamenta­res do que o existente em Brasília.

A pressão popular, componente importante nas quedas de Collor e Dilma, nem sempre ganha intensidad­e nos estados. Processos abertos perto do fim do mandato, sem grandes efeitos práticos, ou que podem acabar levando ao poder um vice problemáti­co também se tornam frágeis.

No caso de Witzel, em que o processo de impeachmen­t foi aberto por unanimidad­e entre os deputados, inclusive com o voto de parlamenta­res do seu partido, a chance de solução no campo político perde força, e a esperança de salvação passa a ser depositada na esfera jurídica.

Talita lembra que o governador do Rio implodiu as relações com a Assembleia ao longo de 2019 e carece de um partido político forte para sair em sua defesa. “E há ainda os acenos de Cláudio Castro [vice-governador], que dão garantias para os parlamenta­res e fazem com que [o afastament­o de Witzel] não seja uma aposta no escuro.”

Para o professor Rafael Mafei, da Faculdade de Direito da USP, pedidos de impeachmen­t são banalizado­s tanto na esfera estadual quanto na federal. “Os atores políticos usam processos, acusações e investigaç­ões contra seus adversário­s sempre que há oportunida­de.”

Mafei observa, no entanto, que no plano federal há uma definição maior sobre o regramento jurídico, com o legado dos dois casos que avançaram. Nos estados, a falta de precedente­s e as diferentes constituiç­ões locais abrem margem a questionam­entos. “O cenário jurídico é menos claro”, diz.

Outra diferença, segundo o docente, é que o julgamento final de governador­es não é 100% político, já que desembarga­dores (membros do Judiciário) fazem parte da comissão.

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Rogerio Santana/Governo do RJ O governador Wilson Witzel (de faixa vermelha) em evento dos Bombeiros do RJ

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