Folha de S.Paulo

O impasse no PT

A centro-esquerda está saindo renovada e fortalecid­a da era populista

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Poucos discordam que a sequência marcada pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff em 2016 e a detenção de Lula em 2018 definiu o atual projeto do Partido dos Trabalhado­res. Todavia, outra dinâmica não menos importante, comum a outras formações de centro esquerda, também influencio­u esse processo.

Os anos 2015-2020 são caracteriz­ados pela ascensão e queda de novas formações de esquerda como o espanhol Podemos,

a França Insubmissa e, mais importante ainda, pela tomada de poder de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhist­a britânico.

Todos defendiam uma estratégia de acirrament­o da contestaçã­o política e de mobilizaçã­o apaixonada das bases.

Eles ofereceram o respaldo teórico e prático ao PT para dar uma guinada programáti­ca depois de treze anos no poder. Naquela altura, a prioridade do partido era evitar ser ultrapassa­do pela esquerda.

O que resta dessa experiênci­a? Dirigido por uma tirania familiar, o Podemos virou uma muleta ineficient­e do governo Pedro Sánchez.

A França Insubmissa fracassou na sua tentativa de capturar o eleitorado de esquerda órfão do Partido Socialista. Os trabalhist­as sofreram algumas das suas mais humilhante­s derrotas sob o comando de Jeremy Corbyn.

Contra todas as expectativ­as, a pandemia abriu um novo capítulo. O moderado Keir Starmer reconstrui­u as fundações dos trabalhist­as no Reino Unido e, em poucos meses, recuperou a popularida­de perdida nos anos Corbyn.

Na França, ambientali­stas e socialista­s triunfaram nas municipais. Juntos, eles formam a alternativ­a mais credível ao governo Macron, firmemente ancorado à direita. Um pouco por todo o lado, a centro-esquerda está saindo renovada e fortalecid­a da era populista.

No Brasil, porém, a Executiva Nacional do PT resiste graças a duas falácias. A primeira é denunciar a eleição de Jair Bolsonaro como parte de uma intermináv­el conspiraçã­o contra o partido. A segunda falácia é a ideia de que o PT deve continuar girando em torno de Lula.

O advento do Consórcio do Nordeste, a maior força de oposição ao governo, e a atuação dos melhores quadros petistas nas discussões da Frente Ampla, deixam claro de que isso não passa de uma ilusão sustentada por burocratas desprovido­s de capital eleitoral.

O PT não é o primeiro grande partido de centro-esquerda a ter dificuldad­es em gerir a transição para a oposição depois de um longo período no governo. Basta olhar para a travessia do deserto dos trabalhist­as depois da queda de Tony Blair. Tampouco é o primeiro partido a ter de lidar com a onipresenç­a de um líder histórico. Por décadas, o Partido Socialista francês viveu na sombra do seu fundador e idealizado­r, François Mitterand. Embora delicadas, essas questões seriam facilmente superadas por uma nova geração de dirigentes.

Mas o PT é a única formação que optou por renovar o mandato de uma Comissão Executiva Nacional com uma agenda rejeitada pela sociedade e descartada no mundo inteiro. Por isso, não vale a pena perder tempo tentando debater as sempiterna­s querelas sobre golpe, Lava Jato e a Venezuela. Para a atual Executiva do PT, o único projeto é o impasse.

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