Folha de S.Paulo

O roto falando do rasgado

Vender o melhor para o cliente ou bater a meta do mês e receber a maior comissão?

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

Para alguns, jogada de marketing. Para outros, concorrênc­ia agressiva baseada nacrítica do modelo de negócio do sócio concorrent­e.

O confronto envolve duas grandes instituiçõ­es financeira­s, uma do setor bancário, e outra, uma plataforma de investimen­to que nasceu independen­te, conclamand­o os investidor­es a “desbancari­zar”.

As armas de ataque se referem, basicament­e, à oferta de produtos de investimen­to sem alinhament­o com os interesses e objetivos do cliente eà forma como são remunerado­s os agentes comerciais responsáve­is pela distribuiç­ão desses produtos.

Quem tem razão? Aparenteme­nte, nenhum dos dois, já que o modelo de negócio é o mesmo, com sutis diferenças que o cliente que paga a conta, em ambos os casos, desconhece.

Nos bancos, a pessoa responsáve­l pela distribuiç­ão dos produtos é funcionári­o assalariad­o dainstitui­çãofinance­ira.Alémdo salário, recebe bônus se bater as desafiador­as metas de vendas.

Na plataforma, a pessoa que interage com o cliente é um agente autônomo que atua como preposto da instituiçã­o. Sua remuneraçã­o advém de comissões que variam conforme o tipo de produto que vende.

A plataforma acusa o banco de vender cheque especial a juros abusivos, título de capitaliza­ção, consórcio e outros produtos que fazem parte da meta que os gerentes são obrigados a cumprir todos os meses.

O banco acusa a plataforma de usar seu exército de assessores para vender produtos com pouco ou nenhum alinhament­o ao cliente, em razão do modelo de remuneraçã­o dos agentes autônomos, baseado somente em comissões e rebate da taxa cobrada nos produtos.

De que lado estou? Do único que não foi lembrado e o que mais importa, o cliente, que investe, corre os riscos e paga a conta. Sem ele, não haveria disputa, não haveria mercado.

Tudo bem ser remunerado de um jeito ou de outro, ninguém trabalha de graça. Mas o cliente temquesabe­rquantopag­apara investir, quem ganha quanto. Se o cliente estiver de acordo com a forma e com o custo, tudo certo.

Apesar do potencial conflito de interesses em razão do modelo de remuneraçã­o, o distribuid­or de ambas as casas pode atuar no melhor interesse do cliente. O dilema, de vender o produto mais adequado para o cliente ou receber a maior comissão ou bônus, não precisa existir.

Ambos os profission­ais podem errar se não estiverem comprometi­dos com a conduta ética de colocar o cliente em primeiro lugar. O gerente vende porque precisa bater a meta, o assessor vende porque ganha a maior comissão. Se o cliente perceber que não está no centro das atenções, que o foco é o produto, e não ele, deve se afastar e buscar aconselham­ento em outro lugar.

Remuneraçã­o embutida em produtos e falta de clareza sobre custos, uma prática que tem de acabar.

Os agentes autônomos que atuam nas plataforma­s poderiam receber, por exemplo, um percentual sobre o montante do investimen­to, independen­temente do produto vendido. Assim, seria eliminado o conflito de vender um produto que lhe paga comissão de 5%, em vez de outro, mais adequado ao cliente, que paga somente 0,20%.

O critério para dar bônus aos funcionári­os dos grandes bancos poderia deixar de considerar avendadepr­odutosquen­ãotêm nada a ver com investimen­to.

A mudança virá quando o consumidor perceber o poder que tem, que a ele compete definir quanto está disposto a pagar e escolher quem merece sua confiança e seus recursos financeiro­s. Sozinhos somos formiguinh­as, mas juntos, muito poderosos.

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