Canções sobreviveram à censura e se tornaram símbolos da democracia
são paulo A decretação do AI5 (ato institucional nº 5), em 1968, deu início à fase mais pesada da ditadura militar.
Entre diversas medidas de endurecimento do sistema, permitiu-se censurar previamente manifestações e obras relacionadas à cultura, como filmes, peças de teatro e músicas, muitas músicas.
Com justificativas esdrúxulas, censores vetavam total ou parcialmente composições de artistas.
Contudo, há sempre maneiras de esconder mensagens por meio das palavras, em textos ou letras de música. Era, portanto, um desafio para a criatividade de compositores da música brasileira.
Aos poucos, a censura foi sendo afrouxada. A abertura política começou lentamente em 1974, quando Ernesto Geisel tomou posse. O processo se consolidou no mandato de João Figueiredo, que se estendeu de 1979 a 1985.
Ao longo da ditadura, foram compostas mais de 300 músicas que, de forma mais ou menos velada, criticavam a repressão e o autoritarismo tacanhos dos órgãos censores criados por governos ditatoriais. Estão elencadas no livro “Quem Foi que Inventou O Brasil - vol. 2”, do jornalista Franklin Martins.
Algumas delas se tornaram simbólicas, como “Opinião”, de 1964. Composta por Zé Keti e imortalizada por Nara Leão, dava nome ao musical que tecia críticas às injustiças sociais e à falta de liberdade da época e logo se tornou um marco da resistência.
Em 1966, “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, foi vencedora do 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, na voz de Jair Rodrigues. A letra reflete, metaforicamente, o sentimento de aversão de parte da sociedade ao regime militar.
Em 1972, “Pesadelo”, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, retratou o poder nefasto do governo que prendia pessoas de forma arbitrária e, em diversas ocasiões, torturava-as até a morte.
A letra só foi liberada pela censura porque foi colocada em uma pasta de músicas que seriam supostamente gravadas pelo cantor Agnaldo Timóteo —temas românticos não eram tão visados.
Chico Buarque foi um dos compositores que conseguiam, por meio da poesia, passar mensagens clamando por justiça e democracia.
Entre elas, está “Apesar de Você”, de 1970, na qual o autor previa a vitória da liberdade sobre a ditadura.
Três anos depois, ele e Gilberto Gil compuseram “Cálice”, mas a música parou na censura. Com versos que denunciam nas entrelinhas os métodos de tortura, a música só foi lançada em 1978.
Em “Pelas Tabelas”, de 1984, Chico retrata o povo “batendo panelas”, vestindo camisas amarelas, clamando pelo direito de votar para presidente. Era a época das Diretas.
Hoje, o grito pela democracia está presente em gêneros como o rap e o samba.