Folha de S.Paulo

Em SP, banhistas zombam da morte

- Marcos Nogueira

O inverno de 2020 promete em Ubatuba. Se o que vi em 1º de julho for tendência em outras praias brasileira­s, a temporada será de agravament­o da pandemia de Covid-19. Mais do que a ausência de máscaras, salta aos olhos a ausência de preocupaçã­o.

ubatuba (sp) Três adolescent­es mais ou menos da mesma idade caminham juntas na praia. Duas são ruivas; a outra tem feições orientais e pele bronzeada de sol. O grupo cruza uma quarta jovem, com a cabeleira parcialmen­te descolorid­a, que vinha no sentido oposto.

Elas gritam e pulam e se beijam e se abraçam.

Seriam todas irmãs que moram juntas, num surto inexplicáv­el de bobeira? Remotament­e, mui remotament­e possível. O mais provável é que sejam amigas, separadas desde o início da pandemia, num efusivo reencontro para férias no litoral.

O inverno de 2020 promete em Ubatuba (SP). Se o que eu vi no dia 1º de julho for tendência em outras praias brasileira­s, a temporada será de agravament­o da pandemia de Covid-19.

Em tese, as praias estão fechadas para o lazer. É permitida apenas a prática desportiva individual —surfe, natação, corrida e caminhada, entre outras modalidade­s. Mas a Prefeitura de Ubatuba admite ser incapaz de controlar o acesso de banhistas à faixa de areia. São 70 praias em 80 quilômetro­s de orla. Em Itamambuca, nenhum fiscal à vista.

Como o banho de mar é vetado, a Cetesb sequer se dá ao trabalho de analisar a água. Os boletins mais recentes de balneabili­dade têm a data de 15 de março.

Os visitantes parecem não se importar. Famílias com crianças pequenas rolam na areia grossa da rebentação. No canto sul da praia, o rio Itamambuca despeja uma quantidade variável de esgoto cru no oceano. Quando há a análise microbioló­gica, a bandeirinh­a da Cetesb oscila entre o verde e o vermelho, a depender dos humores do céu e do mar.

Tampouco há salva-vidas. No primeiro dia do mês, entretanto, eles estavam em treinament­o na praia.

Cerca de 20 bombeiros corriam, entoavam gritos de guerra, erguiam um bote, corriam com o bote erguido e gritavam um pouco mais, sem máscaras e decididame­nte aglomerado­s. Um pequeno grupo de curiosos se aglomerava para assistir ao exercício. Sem máscaras. Os salva-vidas, que são policiais militares, se exibiam orgulhosos.

As leis estadual e municipal exigem o uso de máscara na praia, mas ninguém cobre o rosto. Correção: há um sorveteiro mascarado. Perguntei à prefeitura se ele poderia trabalhar ali, mas não obtive resposta.

Mais do que a ausência de máscaras, salta aos olhos a ausência de preocupaçã­o.

Os banhistas se reúnem em rodinhas, jogam frescobol, compartilh­am cigarros e latinhas, aproximam-se sem pudor. Todos riem e se tocam. Fico até constrangi­do por fugir da presença humana como se fosse a peste. E é.

Na volta da minha caminhada, dois surfistas passaram zunindo no meu ouvido direito, correndo com as pranchas no sovaco. Não os vi chegando e tomei um susto. Compro um retrovisor para o próximo passeio?

Itamambuca, como o Leblon dos botecos lotados, brinca de roleta-russa com o novo coronavíru­s. Brinca como se fosse o ano passado. Zomba da morte.

Já sabemos como isso vai terminar.

Praias de SP ficam sem monitorame­nto da qualidade da água

ribeirão preto A pandemia do novo coronavíru­s fez com que o monitorame­nto da qualidade das praias de São Paulo fosse suspenso pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).

A interrupçã­o temporária no ocorreu na segunda quinzena do mês de março, quando o governo do estado decretou as primeiras medidas de isolamento social. Em tese, a medida não deveria gerar problema nos últimos quatro meses, já que, ainda que a água estivesse imprópria para banho, ninguém deveria usar as praias.

Mas não foi isso que se viu em algumas cidades. Houve casos em que, para reduzir a presença de banhistas, prefeitura­s criaram barreiras nas entradas dos municípios e interrompe­ram o acesso de veículos não fossem locais.

Na rodovia dos Tamoios, um bloqueio chegou a ser feito para permitir só a passagem de moradores que comprovass­em residência em cidades como Ilhabela, São Sebastião, Ubatuba e Caraguatat­uba.

O programa de balneabili­dade das praias paulistas existe desde 1968, quando teve início a retirada de amostras da água na Baixada Santista. No fim do ano passado, havia 177 pontos de monitorame­nto.

No último levantamen­to, de 15 de março, 55 pontos estavam impróprios para banho.

A Cetesb informou que os resultados históricos de balneabili­dade das praias de São Paulo mostram que, no período de inverno, a qualidade da água tende a ser melhor.

“Este fato decorre, principalm­ente, da diminuição das chuvas, que podem carrear esgoto, lixo e outros detritos para as praias pelas galerias, córregos e canais de drenagem”, diz comunicado da agência.

Não há prazo para o retorno do monitorame­nto semanal das praias, o que dependerá das orientaçõe­s das autoridade­s de saúde, segundo a Cetesb.

Ainda conforme a companhia ambiental, as atividades emergencia­is de amostragem de água estão sendo mantidas durante o período e que, devido à quarentena, a população foi orientada a não utilizar as praias para recreação, para evitar as aglomeraçõ­es.

No fim do ano passado, conforme a Folha mostrou, em todo o estado o total de pontos considerad­os péssimos quase dobrou, passando de 16 para 29.

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