PESCADORES DO RIO GRANDE DO NORTE SOFREM SEM RENDA E COM CORONAVÍRUS
Moradores de comunidades ribeirinhas sofrem com falta de proteção e o sumiço dos clientes em meio à pandemia
Comunidade Canto do Mangue, na região ribeirinha do rio Potengi (RN), que enfrenta falta de renda enquanto surgem primeiras vítimas do vírus
natal A residência do pescador José Celestino Pereira, 53, vai de uma viela a outra, espremida entre a linha do trem e o rio Potengi, na comunidade Passo da Pátria, em Natal. Colada com as casas vizinhas, não há nenhuma janela nas paredes e os quatro pequenos cômodos que abrigam o pescador, esposa e quatro filhos não têm circulação de ar.
A casa é uma das maiores da comunidade que nasceu sobre o mangue e não tem espaço para isolamento social. Na área, cerca de 1.200 famílias se amontoam em pequenas estruturas de alvenaria.
Sem proteção —poucos têm acesso a álcool em gel e máscara—, os moradores sentem os efeitos da pandemia. A poucos metros da casa do pescador, o posto de saúde da comunidade de Potengi já recebeu 46 pessoas, entre os dias 13 de abril e 27 de maio, com os sintomas típicos da Covid-19.
No dia 26 de maio, um paciente morreu em consequência da doença, sem nem chegar a ser internado.
“O vírus está em toda a comunidade e a quantidade de gente que nos procura com os sintomas tem crescido”, afirmou o diretor da unidade, Eduardo Dantas.
Sem vacinas ou medicamentos, medidas comportamentais como higiene respiratória e distanciamento são as únicas alternativas para conter o contágio da Covid-19. “Aqui, ninguém tem tempo para ficar doente. A gente vive ou morre todo dia”, diz José Celestino.
O pescador diz que ninguém da sua família foi infectado pelo novo vírus, mas todos já sofrem as consequências da pandemia. O filho Marcílio Pereira, 27, único com carteira assinada na família, foi demitido da função de auxiliar de cozinha de um restaurante no maior shopping da cidade.
A caçula, Alice, 12, está sem aulas e tenta concluir as poucas atividades enviadas pelas professoras da escola pública que não tem estrutura de ensino à distância. José não parou de tentar a sorte na pesca, mas viu o preço do pescado despencar por falta de comprador. “Mas eu não desisto nunca. O que eu conseguir pescar, se ninguém comprar, vira almoço”, diz.
O pescador conta que vendeu um peixe de 3 kg por R$ 30. Antes da pandemia, o valor era 50% maior. Seu irmão, Canindé Pereira, também vive da pesca. “Meus compradores certos suspenderam as encomendas. Peixe até tem, mas não tem quem compre”, conta.
Os pescadores tentaram obter o auxílio do governo federal, de R$ 600, mas ainda não obtiveram resposta.
Pelas becos da comunidade, encontrar alguém usando máscara é uma raridade.
“Vocês pegaram a gente desprevenido”, disse rindo Valdenildo Oliveira, 35, que jogava baralho com outros quatro vizinhos, enquanto as crianças corriam soltas na beira do rio —todos sem proteção. O grupo disse que nenhum serviço social ou de saúde circulou pela comunidade para alertar sobre o perigo da doença.
“O que a gente sabe é pela televisão e pelo WhatsApp”, diz Valdenildo, que está desempregado.
Com a pandemia, a circulação de pessoas nas comunidades ribeirinhas de Natal cresceu nos últimos meses porque os pescadores não estão mais indo para o mar com tanta frequência.
“Nossa atividade está sofrendo muito nos últimos meses. Depois do óleo nas praias, agora esse vírus. Não tem quem compre o pescado”, afirma o pescador João Maria.
Ele tem um barco a motor, que tem autonomia para ficar até 15 dias no mar. Antes da pandemia, trabalhava com outros três pescadores com rotina de 10 dias no mar e quatro dias em terra.
Desde o dia 16 de maio, não desatraca o barco que disputa espaço com mais de 30 pequenas embarcações no Canto do Mangue, principal área de compra e venda de peixe de Natal. A mercadoria era repassada para hotéis e restaurantes —todos fechados desde março por causa das medidas de isolamento social.
Na Redinha, que fica na outra margem do Rio Potengi, o vírus já provocou morte entre os pescadores. Na casa de Elias Gerônimo, 54, ele, a esposa e um dos dois filhos foram infectados pelo coronavírus. O pescador não resistiu e morreu após duas semanas de internação. Os outros ainda estão com sintomas, mas tratam a doença em casa.
“Já fazia uns 15 dias que não via meu pai quando ele se internou. Não consegui nem me despedir”, conta o filho Ryan Gomes, que mora em outro bairro da capital potiguar.
Segundo o professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e ex-secretário da Pesca do estado Antônio Alberto Cortez, o Nordeste é a região do país que concentra o maior número de pescadores artesanais. Desses, 14 mil estão no litoral do Rio Grande do Norte.
Esse contingente foi atingido diretamente com a queda na venda de pescado na época das manchas de óleo nas praias do Nordeste, ocorrido no ano passado.
“Antes de recuperar, a categoria sofre, agora, com a pandemia. Seja com falta de comprador do produto, ou por contaminação com vírus”, afirma Alberto Cortez.