Folha de S.Paulo

Máscaras vetadas

Quanto ao combate à pandemia, nem paz nem amor inspiram decisões insensatas do presidente

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Acerca de decisões irresponsá­veis do presidente.

No que depender do presidente Jair Bolsonaro, máscaras para proteger a população do novo coronavíru­s permanecer­iam dispensáve­is em áreas de acesso público. Aliás, nem mesmo nas superlotad­as prisões elas seriam obrigatóri­as.

Os estabeleci­mentos ficariam dispensado­s de fornecer a proteção facial e outros equipament­os, como álcool em gel, a empregados e frequentad­ores. Tampouco precisaria­m afixar cartazes sobre a obrigatori­edade e com instruções sobre a maneira correta de usá-la.

Tamanha temeridade sanitária, em meio à grave pandemia de Covid-19, emana dos vetos da Presidênci­a da República ao projeto aprovado pelo Congresso e ora convertido na lei 14.019/2020.

Não seria possível acusar Bolsonaro de incoerênci­a. Desde a eclosão do surto no Brasil, há mais de três meses, ele deu seguidas demonstraç­ões de desprezo pela enfermidad­e e pelos recursos não farmacológ­icos para controlá-la, como o distanciam­ento social e a disseminaç­ão das máscaras.

Ao que parece, o presidente não toleraria ver sua assinatura numa norma federal determinan­do tais cuidados. Prefere dar continuida­de aos maus exemplos projetando suas ideias fixas na letra da lei, mesmo que ela na prática não impeça estados e municípios de baixar ou manter medidas preventiva­s.

As justificat­ivas na mensagem de veto são rasteiras. Em realidade, foram duas as comunicaçõ­es ao Legislativ­o, pois o Palácio do Planalto deu de retificar seus próprios atos, a comprovar que os filtros da Casa Civil não funcionam —como tanta coisa neste governo.

Na sexta (3), limite do prazo constituci­onal de 15 dias úteis para vetos a textos aprovados pelo Congresso, Bolsonaro lançou mão de pretexto fantasioso: o texto poderia ensejar violações de domicílio.

Justificou ainda que não poderia criar obrigações para outros entes federados —como se as agruras de governador­es e prefeitos lhe causassem alguma aflição.

Não contente, republicou a mensagem três dias depois para explicitar que os vetos se aplicam também à prevenção em estabeleci­mentos prisionais. Cumulou irresponsa­bilidade com crueldade, portanto, dado que as condições medievais dos cárceres brasileiro­s são mais que propícias para propagar o novo coronavíru­s.

Para o campo da saúde pública, vê-se, Bolsonaro não quer nada com paz e amor, mesmo neste interregno de trégua nos ataques às instituiçõ­es. De mais responsáve­l, o presidente volta a submeter-se a teste para a Covid-19; poucos, infelizmen­te, têm essa possibilid­ade.

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