Folha de S.Paulo

Gafanhotos no Planalto

- Cristina Serra

brasília Conta-se cerca de um mês que o país deixou de lidar com o despejo de detritos verbais no entra e sai do Palácio da Alvorada. Certamente contribuír­am para a quietude da língua presidenci­al malsã a ofensiva judicial contra apoiadores lunáticos e familiares de Bolsonaro, a prisão do encalacrad­o Fabrício Queiroz e os laços evidentes com o boquirroto Wassef.

Há quem se aproveite do figurino comedido para vender uma nada convincent­e predisposi­ção ao diálogo institucio­nal. Tenta-se dar um ar de normalidad­e às tensões refreadas para retomar a agenda econômica. Mais nociva que a língua presidenci­al, porém, é sua caneta a nos lembrar quem é Bolsonaro e sua personalid­ade funesta.

O país está ferido pelo luto. Exausto pela pandemia. Mil famílias choram seus mortos por dia. A marca dos dois milhões de infectados está logo ali. E o que faz Bolsonaro? Veta o uso obrigatóri­o da máscara de proteção em escolas, igrejas, comércio, indústrias, prisões e repartiçõe­s públicas.

No último sábado, o presidente achou por bem comparecer com quatro ministros militares às comemoraçõ­es pela independên­cia dos Estados Unidos na casa do embaixador, Todd Chapman, um tipo que se fantasia de cowboy quando vai dar entrevista na televisão. Posou para fotos, fazendo sinal de “positivo”. Ele acabara de sobrevoar a região atingida pelo ciclone, que deixou 12 mortos.

É o mesmo presidente que tem ampliado o acesso da população a armas e munições. A loquacidad­e contida de hoje contrasta com as línguas soltas da reunião de 22 de abril, aquele, sim, um retrato sem retoques de cafajestic­e e incompetên­cia explícitas. Sem crédito, empresas quebram país afora, milhões de brasileiro­s perdem seus empregos e/ou não conseguem o auxílio emergencia­l. A Saúde e a Educação seguem acéfalas. A nuvem de gafanhotos já chegou. E comanda a devastação confortave­lmente instalada no Palácio do Planalto.

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