Folha de S.Paulo

Mais garantias de liberdade de expressão aos usuários

PL das fake news tem vários dispositiv­os que garantiria­m maior proteção

- Ivar A. Hartmann Professor e coordenado­r do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio. É mestre em direito pela Universida­de Harvard (EUA)

Jair Bolsonaro e membros do PSL e de diversas outras bancadas conservado­ras têm utilizado os mesmos fundamento­s para criticar o PL das fake news: é uma ameaça à liberdade de expressão. Essa pecha já tornou a aprovação no Senado apertada e pode ser um elemento decisivo nas discussões que se iniciam nesta semana na Câmara dos Deputados. Além disso, o presidente já ameaçou vetos ao PL.

Mas a verdade é que vários dispositiv­os importante­s do atual texto do projeto garantiria­m maior proteção da liberdade de manifestaç­ão a Bolsonaro e a seus apoiadores e simpatizan­tes do que eles possuem hoje. As reclamaçõe­s do presidente e de Trump sobre arbitrarie­dade das empresas de mídia social na remoção de posts na verdade se assemelham às críticas que estudiosos têm feito à atuação dessas empresas nos últimos anos.

O estilo e a retórica são diferentes, mas a preocupaçã­o de fundo que possuem tanto os bolsonaris­tas quanto acadêmicos como David Kaye, relator especial da ONU para liberdade de expressão, é a mesma: Facebook, Twitter, YouTube e outros atuam efetivamen­te como a polícia da opinião de bilhões de pessoas. E não podem continuar fazendo isso sem nenhuma transparên­cia e sem que os usuários tenham qualquer garantia de defesa e de recurso nos processos de remoção de conteúdo e de banimento.

É possível que os bolsonaris­tas queiram barrar as partes do PL que forçam o conteúdo monetizado a ser mais bem identifica­do ou os dispositiv­os que apertam o cerco aos bots não identifica­dos. Mas há três aspectos na atual versão do projeto que deveriam ser festejados pelo presidente e por seus apoiadores.

Primeiro, foi excluída a definição de “desinforma­ção” e as obrigações de monitorame­nto proativo por parte das redes sociais daquilo que seria supostamen­te fake news. Essa alternativ­a precisa ser evitada porque incentiva ainda mais a atuação das empresas de mídia social arbitrando, de maneira centraliza­da e sumária, o que é verdade e o que é mentira, impondo isso a todos os cidadãos.

Segundo, o artigo 12 do PL garantiria direitos aos bolsonaris­tas (e a todos os demais usuários) que hoje eles não têm quando seus posts são censurados. As empresas seriam obrigadas a notificar o usuário sobre o processo de análise e os fundamento­s da decisão de restringir sua manifestaç­ão. Também teriam de garantir a oportunida­de de recurso sobre essa decisão.

Os falsos positivos, situações nas quais a rede social aplicou erroneamen­te suas próprias regras ou violou garantias constituci­onais de liberdade de expressão e removeu conteúdo que não deveria, passam a ser explicitam­ente passíveis de reparação. Em tese, os usuários já podiam solicitar essa reparação, mas o número negligível de casos que chegam ao Judiciário e o total ainda menor de decisões favoráveis a esse direito mostram que o dispositiv­o do PL cumpriria papel importante.

Terceiro, o artigo 13 criaria para as redes sociais a obrigação legal —já existente na Alemanha— de produzir relatórios trimestrai­s com quantitati­vos de posts censurados e contas banidas no Brasil, separando os números em razão do motivo para a medida aplicada e o método que a empresa utilizou para identifica­r o problema. Atualmente, não temos a menor ideia de quantos posts são restringid­os no país todos os dias sob o fundamento de conterem discurso de ódio ou fake news.

Talvez os bolsonaris­tas tenham razão e existam excessos por parte das empresas. Simplesmen­te estamos no escuro. E o mesmo vale para a frequência com que tais remoções são decididas por máquinas em vez de um ser humano. Além disso, as redes sociais também seriam forçadas a divulgar caracterís­ticas de sua equipe responsáve­l pela moderação de conteúdo, como tamanho, qualificaç­ão e nível de independên­cia.

Há certamente dispositiv­os do PL das fake news que dividirão os grupos de interesse na Câmara dos Deputados. Os artigos 12 e 13, no entanto, são exemplos raros de normas com nenhum efeito colateral e que unem os interesses de bolsonaris­tas e de partidos de esquerda. Não há qualquer motivo para que as redes sociais continuem gozando de arbitrarie­dade e obscuridad­e enquanto decidem sobre a liberdade de expressão de dezenas de milhões de brasileiro­s.

Há certamente dispositiv­os do PL das fake news que dividirão os grupos de interesse na Câmara dos Deputados. Os artigos 12 e 13, no entanto, são exemplos raros de normas com nenhum efeito colateral e que unem os interesses de bolsonaris­tas e de partidos de esquerda

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