Folha de S.Paulo

Bolsonaros agiram para proteger Queiroz? Veja o que se sabe até agora

Há indícios de participaç­ão de advogados do clã na blindagem

- Ana Luiza Albuquerqu­e

Quem é Fabrício Queiroz e qual foi seu papel no suposto esquema da “rachadinha”?

O policial militar aposentado como assessor do senador Flávio Bolsonaro de 2007 a 2018, quando o filho do presidente Jair Bolsonaro era deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro).

O Ministério Público do Rio afirma que o ex-servidor atuou como operador financeiro de um esquema de “rachadinha” (devolução de salários) no gabinete de Flávio.

De acordo com o MP-RJ, 11 assessores vinculados ao então deputado estadual repassaram pelo menos R$ 2 milhões a Queiroz, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie.

Por que Queiroz é peça-chave para a investigaç­ão?

Apontado como homembomba da família Bolsonaro, ele tem um papel central na apuração por cinco motivos principais.

Primeiro, como suposto operador, Queiroz teria conhecimen­to para explicar o esquema de “rachadinha” e de que forma esse dinheiro teria sido lavado pela família Bolsonaro.

Segundo, o ex-servidor poderia ligar o presidente Bolsonaro ao caso. Queiroz e Bolsonaro se conheceram no Exército e são amigos há mais de 30 anos. Foi por meio de Jair que o ex-assessor ingressou no gabinete de Flávio.

Um dos pontos ainda não esclarecid­os é o cheque de R$ 24 mil que a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, recebeu de Queiroz. O presidente já afirmou tratar-se do pagamento de uma dívida, mas não explicou por que o ex-assessor precisava do dinheiro e também não apresentou comprovant­e do empréstimo.

Queiroz também poderia indicar se o esquema de “rachadinha” chegou ao gabinete de Jair na Câmara dos Deputados. Em dezembro de 2018, a Folha mostrou que uma das filhas do ex-servidor, Nathalia Queiroz, era funcionári­a fantasma do então deputado federal. O gabinete manteve, de 1991 a 2018, intensa e incomum rotativida­de salarial de assessores, atingindo cerca de um terço dos mais de cem que passaram por lá.

Terceiro: Queiroz é apontado como o elo da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Foi ele quem indicou para o gabinete de Flávio na Alerj a mãe e a mulher do ex-capitão do Bope e antigo líder da milícia Escritório do Crime, Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro durante operação policial na Bahia.

Segundo mensagens obtidas pela Promotoria, o miliciano ficava com parte do salário obtido pelas duas –não ficou esclarecid­o, no entanto, o destino dado pela família a esse dinheiro.

Na peça que pediu a prisão, o Ministério Público afirma, ainda, que o ex-assessor mantém influência sobre um grupo paramilita­r de Rio das Pedras, zona oeste do Rio.

Quarto: Queiroz pode fornecer importante­s informaçõe­s para as investigaç­ões que apuram suposta interferên­cia de Jair Bolsonaro na Polícia Federal e um suposto vazamento da Operação Furna da Onça, que atingiu deputados da Alerj em novembro de 2018.

Segundo relato do empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio, o filho do presidente foi avisado entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018 que Queiroz havia sido citado no inquérito que culminou na operação. Marinho também afirmou que a Furna da Onça teria sido “segurada” para não interferir na disputa. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam o caso. Até o momento, Queiroz já foi ouvido duas vezes e negou saber do suposto vazamento.

Por último: Queiroz poderia explicar a origem do dinheiro que custeou seu tratamento no hospital Albert Einstein, um dos mais caros de São Paulo. Segundo a Promotoria, anotações em uma caderneta apreendida na casa da mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, e os recibos do hospital comprovam que ela recebeu pelo menos R$ 174 mil em espécie para pagar o tratamento do marido.

O Ministério Público também afirma que uma troca de mensagens entre Márcia e sua filha, Mayara Gerbatim, sugere que a família Queiroz recebia dinheiro de terceiros para se manter. A Promotoria não indicou , no entanto, a origem dessas quantias.

Queiroz esteve foragido em algum momento?

Não. Ainda assim, mesmo sem mandado de prisão expedido contra ele, Queiroz saiu de cena sob a tutela do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, dono do sítio em Atibaia (SP) onde o ex-assessor se abrigou.

O não comparecim­ento a quatro depoimento­s marcados pelo MP-RJ e a ausência de informaçõe­s sobre seu paradeiro levaram a muitos a questionar­em nas redes sociais “onde está o Queiroz?”. Segundo a Promotoria, o policial militar aposentado se escondia porque tinha a intenção de fugir se fosse alvo de uma ordem de prisão.

Durante quanto tempo Wassef abrigou o ex-assessor?

Reportagem do Jornal da Band mostrou que Queiroz passou cerca de cinco meses em um apartament­o no Guarujá (SP) de propriedad­e da família de Wassef, a partir do fim de 2018. Apuração do jornal O Estado de S. Paulo corroborou a informação, ao revelar que, segundo dados do celular de Márcia Aguiar obtidos pelo MP-RJ, a mulher de Queiroz esteve na cidade litorânea pela primeira vez em fevereiro de 2019 e, pela última, em junho do mesmo ano.

Ainda segundo essa reportagem, a mulher do ex-assessor, que segue foragida, teve seu primeiro registro de passagem por Atibaia em junho do ano passado. Até o fim de 2019, as idas à cidade foram frequentes, o que indicaria que Queiroz já havia se estabeleci­do no sítio de Wassef.

Quais são os indícios de que Wassef controlava os passos de Queiroz?

Tratado por familiares de Queiroz e funcionári­os pela alcunha de “Anjo”, o então advogado do presidente e de Flávio monitorou e controlou a movimentaç­ão do ex-assessor, indicam mensagens apreendida­s pelo Ministério Público.

Os promotores afirmam que o ex-servidor buscava omitir de Wassef as saídas que fazia do sítio. E que o ex-assessor e seus familiares desligavam seus telefones quando se aproximava­m da casa, a fim de evitar eventual monitorame­nto das autoridade­s policiais.

Em mensagens datadas de outubro de 2019, a mulher de Queiroz pede à filha para informar a uma mulher identifica­da como Ana (que seria a advogada Ana Flávia Rigamonti) que o casal está a caminho de São Paulo. A mulher responde: “Pode ficar tranquila que não falo nada não”.

Em outro áudio, Ana afirma que não comentou com “Anjo” a viagem do casal.

Outras mensagens mostram Queiroz explicando que precisa desligar o telefone ao se aproximar da casa de Wassef. “A gente vai ter que desligar o telefone, daqui a pouco a gente vai entrar na nossa área”, disse num áudio de julho de 2019.

Os diálogos indicam que Wassef cogitou levar toda a família de Queiroz para Atibaia após derrota, no STF, no julgamento sobre o compartilh­amento de informaçõe­s financeira­s detalhadas em relatórios do Coaf. “[Wassef está] Querendo mandar para todos [sic] para São Paulo se a gente não ganhar”, disse Queiroz em 24 de novembro de 2019 para a mulher.

O julgamento durou de 21 a 28 de novembro. Na ocasião, Márcia considerou a intenção um exagero. “Mais [sic] só se estivéssem­os com prisão decretada. Sabe que isso será impossível, né?”, disse ela.

O jornal O Estado de S. Paulo revelou que, em uma troca de mensagens com Ana, a mulher de Queiroz reclamou das restrições de Wassef. Disse que não queria mais viver como “marionete do Anjo”.

“‘Ah, você tem que ficar aqui, tem que trazer a família’. Esquece, cara. Deixa a gente viver nossa vida. Qual o problema? Vão matar?”, escreveu.

Em entrevista ao jornal O Globo, um empresário de Atibaia que frequentav­a o sítio de Wassef disse que o caseiro do imóvel era olheiro do advogado. “Nos fundos, ficava o caseiro, que era como se fosse um olheiro. Contava tudo para o patrão”, afirmou Daniel Bezerra Carvalho, dono de loja de conveniênc­ia na cidade onde Queiroz almoçava.

Quais são os outros indícios de que a família Bolsonaro ou pessoas próximas podem ter protegido o ex-assessor?

Segundo mensagens obtidas pelo Ministério Público, Luis Gustavo Botto Maia, outro advogado de Flávio, se encontrou em Minas Gerais em dezembro de 2019 com a mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega e com Márcia Aguiar. Antes de ir a Minas, Botto teria se reunido com Queiroz e Wassef.

O objetivo, segundo o Ministério Público, era que a mulher de Adriano levasse a ele um recado de Queiroz. A Promotoria acredita que Adriano iria elaborar um plano de fuga para a família do ex-assessor, mas não mostrou provas.

Um caderno de Márcia Aguiar apreendido pelo MP-RJ pode ser mais um indício de que a família Bolsonaro agiu para proteger Queiroz. Segundo imagens às quais o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, o caderno tinha números de celulares atribuídos ao presidente, a Flávio, à primeirada­ma e a outras pessoas ligadas à família.

De acordo com a reportagem, não é possível saber a data das anotações, feitas à mão. Referência­s sugerem que foram escritas após a eleição de 2018. Isso porque políticos que estão em primeiro mandato aparecem identifica­dos pelos seus respectivo­s cargos. É o caso de deputados eleitos pelo PSL, partido pelo qual o presidente se elegeu.

Segundo a investigaç­ão, o caderno era uma espécie de guia para Márcia caso o marido fosse preso.

Quem protegeu ou abrigou Fabrício Queiroz cometeu algum crime?

Segundo especialis­tas em direito penal consultado­s pela Folha, só investigaç­ão mais aprofundad­a pode responder se Wassef cometeu crime ao abrigar Queiroz.

Por ora, não seria possível afirmar que o advogado cometeu irregulari­dades. A depender do que for descoberto, no entanto, pode-se chegar à conclusão de que houve possíveis práticas dos crimes de favorecime­nto pessoal e de obstrução da Justiça (atrapalhar uma investigaç­ão que envolva organizaçã­o criminosa).

Em quais contradiçõ­es caíram Wassef e a família Bolsonaro ao falar sobre o caso?

Desde que o caso da “rachadinha” veio à tona, a família escanteou Queiroz e disse que não mantinha contato com o ex-assessor. Mas ele foi encontrado no sítio de Wassef.

Embora o advogado diga que Jair Bolsonaro não sabia do abrigo, o presidente afirmou em live de 18 de junho que o ex-assessor estava em Atibaia porque a região fica perto do hospital onde trata um câncer. Quando Queiroz foi preso, Wassef disse que não havia abrigado o ex-assessor e que não tinha contato com ele. Posteriorm­ente, à revista Veja, afirmou que escondeu Queiroz por uma “questão humanitári­a” porque o ex-servidor estaria sendo ameaçado de morte. Wassef não apresentou provas para essa versão.

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Ricardo Moraes - 6.mai.19/Reuters O presidente Jair Bolsonaro com o filho Flávio, no Rio
 ?? Pedro Ladeira - 18.jun.20/Folhapress ?? O advogado Frederick Wassef em Brasília
Pedro Ladeira - 18.jun.20/Folhapress O advogado Frederick Wassef em Brasília
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18.jun.20/Polícia Civil Fabrício Queiroz no momento da prisão, em Atibaia

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