AMLO encontra Trump em busca de retomada econômica
Presidente do México viaja a Washington para tratar de comércio e imigração
BUENOS AIRES Numa época em que quase não há encontros entre chefes de Estado nem cúpulas internacionais, a não ser por videoconferência, devido ao coronavírus, dois dos mais importantes líderes das Américas estarão frente a frente pessoalmente, em Washington, nas próximas quarta (8) e quinta (9).
Um é de direita, Donald Trump (EUA); o outro, de esquerda, Andrés Manuel López Obrador (México). Em comum, os dois minimizam a pandemia e promovem a reabertura de suas economias com números ainda muito altos de infectados e mortos.
O primeiro encontro será uma reunião para tratar de comércio, fronteiras e imigração entre os dois países.
No dia seguinte, haverá uma comemoração da entrada em vigor, no dia 1º, do novo tratado de livre-comércio México EUA-Canadá, que substituiu o Nafta (Tratado de Livre Comércio de América do Norte).
O terceiro mandatário envolvido no acordo, porém, o primeiro-ministro Justin Trudeau, ainda não confirmou presença, e o governo canadense alertou para a falta de segurança sanitária para a realização de um evento desse porte no meio da pandemia.
O convite foi feito por Donald Trump, e o presidente mexicano aceitou, mesmo sem haver voos diretos entre as duas capitais. Ele terá de fazer uma conexão e foi desaconselhado pelo médico que o acompanha.
AMLO (como o presidente mexicano é chamado) foi eleito há dois anos, justamente com a bandeira do antiimperialismo e por ser, entre os candidatos, a figura mais opositora ao líder americano. Desde sua posse, ainda não realizou nenhuma viagem internacional.
Na eleição de 2018, os mexicanos votaram também com alta rejeição ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), por conta do aumento da violência e dos escândalos de corrupção do governo de Enrique Peña Nieto (2012-2018), e ao PAN (Partido da Ação Nacional), devido aos milhares de mortos na guerra ao narcotráfico.
Naquele momento, AMLO parecia ser o mais qualificado para responder às provocações e aos insultos que Trump disparou contra o México e os mexicanos (a quem chamou de narcotraficantes e estupradores) em sua campanha eleitoral.
“O que parece predominar agora não é mais o confronto nacionalista, mas sim o pragmatismo, a preocupação com a economia”, diz à Folha o cientista político Jean François Prud’ Homme, do Colegio de Mexico. “AMLO precisa governar mais quatro anos e, para isso, tem de incrementar os negócios com os EUA. Já Trump vai aproveitar politicamente o encontro, como fez com Peña Nieto em 2016.”
De fato, a perspectiva de queda da economia do México no pós-pandemia é grande: -10,5% do PIB, segundo projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional). Além disso, o país deixou de ser o principal parceiro comercial dos EUA na região, sendo substituído pelo Canadá.
O encontro entre Trump e Peña Nieto, em 2016, quando Trump ainda era candidato, foi considerado um vexame pelos mexicanos. Isso porque o então presidente não se mostrou contra o muro que Trump disse querer construir entre os dois países —na mesma noite, o então candidato republicano fez um comício em que levou a multidão a gritar que o México pagaria pelo muro.
De sua parte, Trump, que tenta a reeleição em novembro, deve tentar capitalizar politicamente o encontro mais uma vez. Embora AMLO tenha feito a sua campanha baseada na oposição a Trump, ele tem atendido as vontades do republicano.
Já enviou tropas para a fronteira sul do México, na tentativa de conter a imigração centro-americana (que passa por ali para chegar aos EUA) e lançou o programa “Fique no México”, para desestimular que esses refugiados seguissem para o vizinho do norte.
A estratégia deu resultado, e a quantidade de imigrantes centro-americanos em situação irregular que tentam cruzar do México para os EUA é um sexto do que era em 2016, segundo dados do serviço de imigração norte-americano.
Em artigo para o jornal The New York Times, o historiador Enrique Krauze criticou a viagem do mexicano, dizendo que a posição de AMLO era de submissão e que serviria para “a fotografia eleitoral” de Trump. O presidente mexicano respondeu que Krauze era um “conservador”.
Para o historiador, a visita poderia ser apropriada se AMLO seguisse a tradição democrática de ambos os países que é a de, nesse tipo de viagem, reunir-se também com a oposição. Mas um encontro com Joe Biden, candidato democrata à Casa Branca, não está na agenda. “Os democratas não vão esquecer essa visita, se Biden ganhar”, conclui Krauze.
Biden, aliás, visitou o México durante a campanha eleitoral mexicana de 2012 (que elegeu Peña Nieto) e se reuniu com AMLO e os candidatos do PRI e do PAN.
Outros analistas, no entanto, veem a visita com bons olhos. “Seria uma grosseria não aceitar o convite. Os EUA são nosso principal parceiro econômico, e o panorama nessa área não é alentador”, diz Gerardo Rodríguez Sánchez Lara, da Universidad de las Américas, de Puebla.
“A política exterior do México com relação aos EUA é também política interior, de tão conectados que estão os países. É um ato de campanha de Trump, claro, mas pode ser bem usado em nosso benefício, fechando mais acordos.”
Entre os políticos da oposição, as críticas são duras. “É um erro ir aos EUA só para participar do que claramente é um ato de campanha. Os mexicanos não se esqueceram de que Trump nos qualifica de estupradores e criminosos”, diz o senador Mauricio Kuri, do PAN (Partido da Ação Nacional).
“AMLO precisa governar mais quatro anos e, para isso, tem de incrementar os negócios com os EUA. Já Trump vai aproveitar politicamente o encontro, como fez com Peña Nieto em 2016 Jean François Prud’Homme cientista político