Folha de S.Paulo

Gasto com pandemia já consome dez vezes espaço aberto no teto em 2020

Medidas emergencia­is se aproximam de R$ 500 bi; mecanismo permite gasto sem descumprir regra

- Bernardo Caram e Fábio Pupo

brasília As medidas emergencia­is autorizada­s pelo governo para mitigar a pandemia do coronavíru­s e seus efeitos econômicos já consumiram o equivalent­e a dez vezes o espaço aberto no teto de gastos públicos em 2020.

Até o momento, R$ 489,5 bilhões em desembolso­s foram feitos por meio de crédito extraordin­ário, instrument­o que não entra na conta do teto e pode ser usado em momentos de calamidade pública. A maior parte dessas liberações foi efetivada sem cancelamen­to de outras despesas.

Aprovada em 2016, a emenda constituci­onal do teto de gastos limita o cresciment­o dos gastos do governo à variação da taxa de inflação.

Em 2019, o teto ficou em R$ 1,407 trilhão. Neste ano, com a correção pela inflação, o governo foi autorizado a ampliar as despesas em R$ 47,8 bilhões, totalizand­o R$ 1,454 trilhão.

Isso significa que, até o momento, os repasses federais no combate à pandemia do novo coronavíru­s já correspond­em a aproximada­mente um terço de todas as despesas previstas no teto de gastos para o ano completo de 2020.

Pela mais recente estimativa oficial, apresentad­a em maio, os gastos sujeitos ao teto foram calculados em R$ 1,456 trilhão, aproximada­mente R$ 2 bilhões acima do máximo permitido.

Apesar da suspensão de normas fiscais, como a regra de ouro e a meta fiscal, o teto de gastos continua valendo neste ano. Com exceção dos gastos extraordin­ários para a pandemia, o governo segue obrigado a respeitar o teto para o Orçamento aprovado inicialmen­te para 2020.

O Ministério da Economia informou que ajustes ao longo do ano levarão o patamar para dentro do valor autorizado pela regra.

Como o teto já opera no limite, embora não esteja descumprin­do nenhuma regra, o governo vai fazer desembolso­s muito acima do valor estabeleci­do pela norma neste ano.

A explosão de gastos vai provocar forte alta da dívida pública. As estimativa­s do Ministério da Economia para a dívida bruta do governo geral já se aproximam de 100% do PIB (Produto Interno Bruto) para o encerramen­to do ano, um patamar recorde. No ano passado, o valor estava em 75,8% do PIB.

A equipe do Ministério da Economia argumenta que o abandono da austeridad­e fiscal é temporário e deve ser limitado ao período de calamidade pública, que se encerra em dezembro deste ano. O argumento é que qualquer despesa que se torne permanente deverá respeitar o teto de gastos.

A preocupaçã­o da equipe do ministro Paulo Guedes vem à tona no momento em que surgem correntes no Congresso Nacional para que o auxílio emergencia­l a trabalhado­res informais seja transforma­do em um programa de renda básica definitivo.

Na tentativa de trazer uma alternativ­a a essa discussão, o ministro da Economia quer propor um reforço do programa Bolsa Família, que passará a se chamar Renda Brasil.

O aumento do público atendido e do valor do benefício, porém, vai depender da disposição do Congresso em reavaliar ou extinguir programas sociais considerad­os ineficient­es, como abono salarial, seguro-defeso e farmácia popular. O objetivo é remanejar recursos do Orçamento para não descumprir a regra do teto de gastos.

“O crédito extraordin­ário é um instrument­o importante, é preciso ter uma válvula de escape para situações de emergência. Se não tivesse essa possibilid­ade, o teto já teria caído”, disse Marcos Mendes, pesquisado­r associado do Insper e colunista da Folha eum dos responsáve­is pela formulação da PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) do teto.

Projeções feitas pelo economista apontam que eventual estouro anual da regra em 1% ao ano a partir de 2021 já seria suficiente para que a dívida pública perca o controle. “Se o gasto fica dentro do teto, a dívida cai rapidament­e”, disse.

Segundo ele, os próximos anos vão exigir medidas como congelamen­to de salários e de contrataçõ­es no serviço público, não concessão reajuste do salário mínimo acima da inflação, além de medidas que cortam gastos obrigatóri­os do governo.

“Acabar com o teto não é solução. É quebrar o termômetro. Se isso ocorrer, vai fazer o que para solucionar? Aumentar carga tributária?”, afirmou.

Na sexta (3), o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmou que o governo cumprirá o teto de gastos no ano que vem se não aumentar despesas, não conceder reajustes a servidores nem fazer concursos. Para que a norma não seja quebrada a partir de 2022, disse, o país precisará cortar gastos obrigatóri­os.

Entre as medidas defendidas por Mansueto, está a reforma administra­tiva, que reduz gastos com folha salarial por meio de uma reestrutur­ação das carreiras no serviço público. Pronto desde o ano passado, porém, o texto não foi apresentad­o e não há previsão para envio ao Congresso.

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