Folha de S.Paulo

Informalid­ade, por quê?

Lidar com a informalid­ade envolve atacar suas causas, e não remediar suas consequênc­ias

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

A existência de muitos trabalhado­res e empresas na informalid­ade —incluindo de forma ampla trabalhado­res sem carteira e por conta própria e

empresas sem registro— revelou-se enorme custo para a mitigação dos efeitos econômicos da pandemia. As políticas implementa­das, como o auxílio emergencia­l e as linhas de crédito para pequenas empresas, foram de difícil implementa­ção e pouco focalizada­s.

Fica evidente que os custos sociais da invisibili­dade são bastante altos, especialme­nte em crises como agora. Também é claro que uma política de assistênci­a que contempla base mais ampla é solução possível para as vulnerabil­idades dos informais. Mas, se a informalid­ade deriva do funcioname­nto no nosso mercado de trabalho, faz sentido remediála por meio de assistênci­as?

A pergunta ganha relevância no contexto brasileiro porque nossa economia conta com 40% da força de trabalho e 65% das empresas na informalid­ade.

A magnitude do fenômeno deixa claro que a informalid­ade não está aí por acaso. Se, de um lado, os custos se traduzem em políticas públicas menos acessíveis e menor base tributária, de outro, há benefícios.

A informalid­ade ganha propósito quando as regras do mercado de trabalho são muito rigorosas, quando os impostos são muito altos, quando a produtivid­ade do trabalho é incompatív­el com o salário mínimo estipulado. É a margem de ajuste quando nada mais pode ceder.

Mas, ainda que a invisibili­dade dos informais tenha suas caracterís­ticas indesejáve­is ressaltada­s na pandemia, acabar com a informalid­ade pode não gerar ganhos líquidos inequívoco­s para a sociedade. A formalizaç­ão da economia é frequentem­ente acompanhad­a pela eliminação de postos de trabalho e por empresas inviáveis em ambiente regulados. Já os ganhos dependem bastante da maneira como a informalid­ade é atacada e envolvem entender suas causas.

Uma possibilid­ade seria aumentar a coercibili­dade da formalizaç­ão, através, por exemplo, do aumento das fiscalizaç­ões e de punições para quem emprega informais.

No Brasil, Almeida e Carneiro (2012) estimam que uma maior fiscalizaç­ão diminui a informalid­ade e aumenta o desemprego, mas que parte da formalizaç­ão se dá via salários mais baixos, especialme­nte quando o mínimo não é restrição, mostrando que os trabalhado­res valorizam os benefícios da carteira assinada e estão dispostos a receber menos em troca deles.

Outra alternativ­a compreende facilitar a entrada e a permanênci­a das empresas na formalidad­e, através de redução de impostos e facilidade nos registros, propósito de programas como o Simples e o Microempre­endedor Individual (MEI).

Os efeitos de políticas nessa direção, entretanto, têm sido modestos. Monteiro e Assunção (2012) mostram que o Simples teve efeitos positivos só na formalizaç­ão das empresas do comércio varejista. Rocha, Ulyssea e Rachter (2018) revelam que a simplifica­ção trazida pela MEI formaliza firmas já existentes. Em ambos os casos, o custo fiscal foi muito superior aos benefícios da formalizaç­ão.

Por fim, é preciso considerar que a atual legislação trabalhist­a e tributária gera ganhos no conluio entre empresas e trabalhado­res, que tem incentivos a repartir ganhos desse excedente no mercado informal.

Van Doornik, Schoenherr e Skrastins (2020) mostram que comportame­ntos estratégic­os em demissões, e decorrente elegibilid­ade ao seguro-desemprego, são mais frequentes em regiões com maior leniência à informalid­ade.

É equivocado lidar com os informais só pela lente das assistênci­as. Ao contrário, o financiame­nto do governo e de todas as suas políticas públicas vem justamente de um mercado de trabalho dinâmico e produtivo.

A população que perde seus

empregos precisa estar visível, não só para os auxílios como também para receber treinament­o e qualificaç­ão, através das chamadas políticas ativas de (re)inserção no mercado de trabalho. Lidar com a questão da informalid­ade envolve atacar suas causas, e não remediar suas consequênc­ias.

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