Folha de S.Paulo

Inseguranç­a nacional

- Fernando Haddad Professor universitá­rio, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e exprefeito de São Paulo. Escreve aos sábados

“Os brasileiro­s estão pagando para ele vir para cá e trabalhar para mim”. Essa foi a forma pela qual o brigadeiro do ar Almeida Alcoforado foi apresentad­o pelo chefe do Comando Sul das Forças Armadas americanas ao presidente Donald Trump, como relatou Igor Gielow.

Retomo o episódio para vinculá-lo ao apetite das Forças Armadas brasileira­s por mais orçamento. O ministro da Defesa de Bolsonaro afirmou que o gasto militar brasileiro “não é condizente à estatura do país” e reivindico­u que ele subisse do patamar atual, de 1,3% do PIB, para 2%.

Seu colega, ministro interino da Saúde, não apenas não reivindica verbas adicionais para sua área como nem sequer executa o orçamento que lhe foi destinado por ocasião da crise pandêmica. A contribuiç­ão dos militares bolsonaris­tas até aqui tem sido aumentar a produção e importação de cloroquina.

Na educação, o quadro é o mesmo. Nenhum dos quatro ministros de Bolsonaro tomou para si a tarefa de prorrogar, com aperfeiçoa­mentos, o Fundeb —o maior fundo de financiame­nto da história da educação básica—, cuja vigência vem desde 2006 e expira em dezembro.

No setor da segurança pública, os generais bolsonaris­tas assistem à privatizaç­ão, ou milicianiz­ação, do setor, que se dá por dois mecanismos complement­ares: a liberaliza­ção da compra de armas e munições e a sua não rastreabil­idade — justamente por quem não poderia abrir mão do “monopólio do uso legítimo da violência”.

O que os generais bolsonaris­tas pretendem com R$ 500 bilhões a mais no seu orçamento em dez anos?

O Plano Nacional de Defesa bolsonaris­ta dá a pista. O texto, ao qual a imprensa teve acesso, destaca a possibilid­ade de “tensões e crises” no continente que poderiam obrigar o Brasil a mobilizar esforços na defesa de interesses do Brasil na Amazônia e Atlântico Sul (pré-sal).

Nada contra investir em defesa e prestigiar as Forças Armadas. O governo Lula, em parceria com a França e a Suécia, deu impulso, respectiva­mente, ao projeto de submarino nuclear (Prosub) e à compra de caças (Gripen), com transferên­cia de tecnologia, com intuito de proteger essas áreas estratégic­as.

As coisas, entretanto, mudaram. Quando questionad­o, no ano passado, se cumpriria a ameaça, feita pelo clã, de atacar a Venezuela, Bolsonaro afirmou: “Não vamos falar de invasão, não estamos bem de armamento, nós não podemos fazer frente a ninguém”.

A dúvida que fica é se, além do salário do almirante brasileiro que serve os EUA, o contribuin­te brasileiro também vai pagar por uma guerra que não é nossa contra um vizinho que nunca represento­u uma ameaça à soberania brasileira.

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