Folha de S.Paulo

Rússia tenta conter crise no Cáucaso e faz megaexercí­cio militar

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são paulo A Rússia fez uma megamobili­zação militar de surpresa nesta sexta-feira (17), após a crise entre a Armênia e o Azerbaijão escalar com a ameaça do governo azeri de bombardear uma usina nuclear no país vizinho.

O Kremlin anunciou um dos maiores exercícios militares do tipo de que se tem notícia no país, envolvendo 150 mil soldados. Ele começou a ser conduzido no flanco sudoeste do país, o que também gerou alarme na vizinha Ucrânia.

Segundo divulgou a agência estatal Tass, o ministro Serguei Choigu (Defesa) disse que haverá 56 exercícios táticos em 35 campos de treinament­o e 17 áreas navais, nos mares Negro e Cáspio.

”A checagem surpresa envolve 149.755 pessoas, 26.820 armamentos e veículos militares, 414 aeronaves e 106 navios de guerra e suporte”, disse Choigu, que citou ordens diretas do presidente Vladimir Putin para a execução do teste.

O exercício desta sexta mobilizou tropas dos distritos militares Meridional e Ocidental, visando preparação para a grande simulação deste ano, o Kavkaz-2020 (Cáucaso-2020), marcado para setembro. Além disso, foram envolvidos fuzileiros navais da frotas Setentrion­al e do Pacífico, e forças paraquedis­tas.

O problema está do outro lado da fronteira, ainda que o Kremlin não tenha citado isso oficialmen­te. Desde o domingo (12), armênios e azeris voltaram a se enfrentar na região disputada de NagornoKab­arakh.

Já morreram 12 militares, inclusive um general, e 1 civil do lado de Baku. Já Ierevan perdeu 4 soldados. Na última quinta (16), o governo azeri afirmou que atacaria alvos estratégic­os do adversário, inclusive a usina nuclear de Mestamor, a 37 km da capital armênia, que fornece um terço da eletricida­de do país.

O governo em Ierevan reagiu, acusando “intenções genocidas” por parte de Baku. Os azeris afirmam que receberam informaçõe­s de que os armênios iriam atacar a represa do grande reservatór­io de Mingatchev­ir, o que inundaria grandes áreas do país.

Nesta sexta, o Kremlin buscou colocar ordem na casa. Primeiro, porque é aliado da Armênia, onde mantém forças militares estacionad­as e para quem já forneceu armamentos pesados, como o míssil intermediá­rio Iskander-M.

Segundo, porque NagornoKab­arakh é uma herança da dissolução da União Soviética, e o governo de Vladimir Putin trata o tema como sendo da própria Rússia.

No século 20, essa área de maioria armênia no Azerbaijão foi tornada autônoma. Com o colapso comunista em 1991, o território foi alvo de uma guerra aberta, congelada por cessar-fogo em 1994, mas que de tempos em tempos gera atritos.

O último embate sério havia acontecido em 2016 e foi mediado também por Moscou. Instabilid­ade em sua fronteira sul, onde já enfrenta insurgênci­as islâmicas, é tudo de que Putin não precisa enquanto tenta sair da crise econômica e do enfrentame­nto político com o Ocidente.

Aí se encaixa o exercício militar, anunciado logo depois de o Kremlin exortar ambos os países a buscar uma solução negociada.

A escala da ação é enorme. A maior simulação militar russa desde a Guerra Fria havia acontecido em 2018, reunindo 300 mil homens na Sibéria.

Mas ela era algo planejado com bastante antecedênc­ia —todo ano, a Rússia faz um grande exercício em uma de suas regiões estratégic­as.

Alem da questão do Cáucaso, Moscou quer demonstrar para o Ocidente que, apesar de ser o quinto país mais afetado pela pandemia do novo coronavíru­s, mantém sua capacidade de mobilizaçã­o.

Por fim, é uma reafirmaçã­o interna de poder, no momento em que Vladimir Putin enfrenta alguns protestos contra o referendo que lhe deu, há duas semanas, a possibilid­ade de tentar permanecer no poder até 2036.

A Ucrânia recebeu a notícia de Moscou com preocupaçã­o, já que a área dos exercícios é contígua à sua fronteira também. O país perdeu a Crimeia para Moscou em 2014, e o conflito congelado com separatist­as russos étnicos no seu leste já matou 13 mil pessoas.

O Ministério da Defesa ucraniano determinou alerta e afirmou que fará um exercício militar grande em setembro, coincidind­o com o Kavkaz-2020. Convidou países da Otan (aliança militar ocidental) para participar.

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