Folha de S.Paulo

Odiado pelos colegas, Mirisola envereda pela macumba em romance

‘Quanto Custa um Elefante?’ traz a volta do alter-ego do escritor, agora metido em despachos, bodes e sacrifício­s

- Ivan Finotti

rio de janeiro

Agora envolto em despachos, bodes e sacrifício­s, além de sua garota chamada Ruína, o escritor Marcelo Mirisola lança “Quanto Custa um Elefante?”. A resposta está logo nas primeiras páginas do romance. Custa R$ 30 mil, mas Satã não precisa do animal, está aceitando em dinheiro mesmo.

Prolífico (com quase uma obra publicada por ano desde 1998), odiado (por criticar abertament­e colegas escritores), muito seguro de si (“escrevo um puta livro e ninguém dá bola”, escreveu nesta entrevista), politicame­nte incorreto (“gorda-urubu” é como ele se refere a alguém no livro) e divertido (leia esse livro e verá), eis cinco elementos que juntos podem ajudar a definir Mirisola.

Em “Quanto Custa um Elefante?”, ele retorna ao seu alter-ego, um escritor chamado Marcelo, nessa história de absoluto desencontr­o passada no Rio de Janeiro dos dias de hoje. É uma continuaçã­o de seu livro anterior, “Como se me Fumasse”, lançado em 2017, pela editora 34, mas que pode ser lido independen­temente da obra anterior.

“Me diverti muito ao escrever”, diz Mirisola. E, questionad­o qual era a intenção do livro, vai direto ao assunto. “A intenção de todo artista é ir aonde o povo está. No meu caso, é ir atrás de meia dúzia de gatos pingados que ainda atendem pelo nome de ‘leitores’. Ora, a intenção é fazer circular o livro, vender o peixe.”

Se vai vender ou não, ainda é cedo para saber. Mas, pelo menos com o resultado, o autor parece bem satisfeito.

“Desde que li ‘Extinção’, de Thomas Bernhard, fiquei obcecado com o final dele. Durante anos persegui um final que desse um duplo tuíste carpado no enredo. Acho que consegui”, afirma.

Segue um trecho. “O diabo —com razão— me depenou. No lugar dele faria igual, ora, vai ser bonzinho na casa do caralho. Doravante, terei muito mais do que uma explicação e um alento para o meu desespero. Daqui a pouco discorro sobre o chapéu que levei e o final de semana mais filhodaput­a e esquisito de todos os tempos.”

O Rio de Janeiro de Marcelo passa pelo aeroporto, Leblon, Copacabana, Santa Teresa, um roteiro típico de um boêmio paulistano. Há cenas no Beco das Garrafas, em festas em Santa Teresa e até na praia, com vastas porções não digeridas de ciúmes e de camarões alho e óleo.

A sério, Mirisola diz que recebeu uma herança. Por isso, Marcelo também recebeu a sua. E comprou uma Harley Davidsonpa­rapassearc­omRuína.Mirisolata­mbémcompro­u uma, mas já vendeu. “Agora tô atrás de uma Alfinha Giulia 73.”

Mas, por mais que os dois sejam cara de um e focinho do outro, Mirisola não é Marcelo. O segundo é “um personagem que tem liberdade para ser o que o enredo pede”. O primeiro, um psicopata “da espécie que escreve livros de amor.” No fim, o escritor tenta, em suas histórias, “mentir mais do que a realidade, mas a concorrênc­ia tá braba”.

Sobre sua simpatia pelo demônio, sempre é bom saber como andam aquelas bandas. “Acredito que o candomblé é um ambiente riquíssimo. Eu diria que essencial para quem tá a fim de ter um tête-à-tête com arquétipos de baixa frequência (tipo o diabo). Só que, o que tem de riqueza, tem de perigo. Se você não estiver muito bem calçado mental e espiritual­mente, pode quebrar a cara. E viver, cara, é fazer macumba.”

Quanto Custa um Elefante?

Marcelo Mirisola.Editora 34. R$ 42 (128 págs.)

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