Folha de S.Paulo

Fachin revoga ato de Toffoli e mantém dados com Lava Jato

Procurador­ia-Geral da República, que trava embate público com forças-tarefas, recorrerá da decisão

- Matheus Teixeira, Fábio Fabrini e Marcelo Rocha

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinav­a o compartilh­amento de informaçõe­s da Lava Jato com a Procurador­ia-Geral da República.

Toffoli deu o acesso no início de julho, durante o recesso do Judiciário, quando fica responsáve­l pelos processos que chegam ao tribunal. No retorno dos trabalhos, ontem, Fachin reassumiu o caso e reverteu a ordem.

Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o tema para julgamento no plenário do STF. A PGR disse que fará recurso.

A decisão de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providênci­as já tomadas pela procurador­ia.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, tinha enviado integrante­s da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio.

Para Fachin, a possibilid­ade de a operação ter investigad­o foro especial e usurpado a competênci­a de PGR e STF não justifica o ato de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.

“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbi­o de provas intrainsti­tucional. Entendo não preenchido­s os requisitos próprios e específico­s da via eleita pela parte reclamante

Edson Fachin na decisão desta segunda.

brasília O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinav­a o compartilh­amento de dados da Lava Jato com Procurador­ia-Geral da República.

Toffoli deu a decisão no início de julho, durante o recesso do Judiciário —período em que o presidente do Supremo fica responsáve­l por todos os processos que chegam ao tribunal.

Com o retorno dos trabalhos, nesta segunda-feira (3), Fachin reassumiu o caso e reverteu a decisão do colega. Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o tema para julgamento no plenário do STF.

A PGR informou que recorrerá da decisão de Fachin. Um integrante seu ouvido pela Folha afirmou que a decisão desta segunda-feira foi animadora para a maioria preocupada com os sinais de desestrutu­ração das forças-tarefas.

Com a decisão de Fachin, a PGR não poderá mais usar os elementos colhidos por elas para abrir procedimen­to disciplina­r contra os procurador­es, por exemplo. O ministro do STF também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.

A ordem de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providênci­as já tomadas pela PGR a partir do que havia decidido Toffoli.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, tinha enviado integrante­s da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato nas forças-tarefas de Curitiba, de São Paulo e do Rio.

Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbi­o dos dados envolve informaçõe­s sigilosas.

A relação entre a PGR e a Lava Jato ficou mais tensa após a decisão de Toffoli. Aras afirmou em uma videoconfe­rência, na semana passada, que o trabalho da operação não tem transparên­cia.

“Não se pode imaginar que uma unidade institucio­nal se faça com segredos, com caixas de segredos. Todo o MPF, em seu sistema único, tem 40 terabytes. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositado­s. Ninguém sabe como [esse nomes] foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.

O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro rebateu Aras e disse que “desconhece segredos ilícitos” da operação.

A ofensiva do procurador­geral da República contra a operação foi reforçada, inclusive, com a saída de Moro do governo federal, em abril, após se desentende­r com o presidente Jair Bolsonaro.

A solicitaçã­o da PGR para ter acesso aos dados foi feita em 13 de maio. A Procurador­ia-Geral deixou para o início do recesso, porém, para entrar com ação no STF pedindo que a Lava Jato fosse obrigada a compartilh­á-los. E Toffoli, que respondia pelo tribunal no recesso, atendeu à solicitaçã­o.

Desde o início, porém, ministros do Supremo mais alinhados à Lava Jato criticaram nos bastidores o despacho de Toffoli.

Esses magistrado­s considerar­am que a ordem do presidente do STF foi muito ampla e não respeitou a jurisprudê­ncia atual sobre a necessidad­e de indicação de fatos e pessoas específica­s para justificar o acesso a dados sigilosos.

Fachin deixou isso claro na decisão de 16 páginas publicada nesta segunda-feira.

Ele rechaçou o argumento do princípio da unidade do Ministério Público usado pelo procurador-geral da República para tentar acessar os dados da Lava Jato.

Aras mencionou uma ação ajuizada contra decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que disciplino­u a remoção, por meio de uma permuta nacional, de membros de Ministério­s Públicos das diferentes unidades da federação.

“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbi­o de provas intrainsti­tucional. Entendo não preenchido­s os requisitos próprios e específico­s da via eleita pela parte reclamante”, diz.

O ministro alega que a possibilid­ade de a Lava Jato ter investigad­o foro especial e usurpado a competênci­a da PGR e do STF não justifica a decisão de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.

No meio político, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), investigad­a na Lava Jato, usou as redes sociais para afirmar que o compartilh­amento de dados da operação é descabido.

“Está claro que a República de Curitiba atuava como polícia política, investigav­a 38 mil pessoas sem critérios e tem 50 mil documentos em segredo, atuando com parcialida­de. Qual o interesse em manter essa caixa-preta?”, questionou.

Apoiador da Lava Jato, o senador Alessandro Vieira (Podemos-SE) afirmou que Edson Fachin corrigiu “o absurdo articulado por Aras e Toffoli”. “É preciso garantir a continuida­de do combate à corrupção”, disse. “O sistema sujo não vai desistir. Outras tentativas virão, mas vamos combater a impunidade com todas as forças.”

A disputa entre a cúpula da Procurador­ia-Geral e a forçataref­a em primeira instância tornou-se pública após visita a Curitiba, no fim de junho, da subprocura­dora Lindora Araújo, coordenado­ra da Lava Jato na PGR e uma das principais auxiliares de Aras.

Os procurador­es a acusaram de manobrar para ter acesso a bancos sigilosos de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificat­ivas para a tomada da providênci­a. Uma reclamação foi encaminhad­a à corregedor­ia do MPF.

A PGR, por sua vez, apresentou ação ao STF na qual relata que expediu um ofício às forças-tarefas do MPF, nas três capitais, “com o objetivo de obter as bases da dados estruturad­os e não estruturad­os utilizadas” pelos investigad­ores. Mas os procurador­es se negaram a atender a solicitaçã­o.

A Procurador­ia-Geral sustenta que as informaçõe­s serviriam para subsidiar a atuação de Augusto Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualme­nte sobre qual esfera toca determi

nadas investigaç­ões.

Durante o recesso do Judiciário, ao dar decisão favorável, Toffoli ressaltou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público, além de ferir a competênci­a do Supremo para supervisio­nar investigaç­ões relativas a autoridade­s com foro.

Segundo a PGR, há “elementos de informação em trânsito na Lava Jato” relativos aos presidente­s da Câmara e do Senado, “cujos nomes foram artificial­mente reduzidos em tabelas acostadas à denúncia apresentad­a ao Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba”.

Assim, disse Toffoli, era necessário impedir essa investigaç­ão “no seu nascedouro”.

“Aliás, o que se busca garantir, além da preservaçã­o da competênci­a constituci­onal da corte, é o transcurso da investigaç­ão sob supervisão da autoridade judiciária competente, de modo a assegurar sua higidez”, afirmou.

O presidente do Supremo disse que era evidente a necessidad­e do “imediato intercâmbi­o institucio­nal de informaçõe­s, para oportuniza­r ao Procurador-Geral da República o exame minucioso da base de dados estruturad­os e não estruturad­os colhida nas investigaç­ões”.

No processo foi anexado relatório da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, ligada à PGR, que apontou que os locais em que a força-tarefa do Paraná guarda as informaçõe­s da Lava Jato têm “estrutura inadequada para o armazename­nto de evidências”.

A análise foi feita na visita que Marcelo Caiado, assessorch­efe da secretaria, fez no dia 21 de julho ao edifício Patriarca, em Curitiba, onde ficam armazenado­s os documentos.

“Observa-se que o material apresentad­o se encontrava acondicion­ado em caixas, envelopes e em armários, de forma bastante precária”, escreveu o técnico sobre a sala Ópera de Arame, no sexto andar do prédio, onde parte do material está guardado.

Em procedimen­to para extração de cópia de arquivos, afirmou Caiado, “ocorreram erros em algumas mídias que impossibil­itaram a geração da cópia, potencialm­ente em função de um armazename­nto inadequado”.

O assessor concluiu que a Procurador­ia-Geral da República em Brasília tem condições de armazenar os dados da força-tarefa “de forma mais segura do que aquele observado no edifício Patriarca”.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Equipe dos Médicos sem Fronteiras trabalha na UTI do hospital municipal Tide Setúbal, em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo
 ?? Fellipe Sampaio/Divulgação STF ?? Dias Toffoli, presidente do STF, na volta do recesso do Judiciário; a cicatriz na testa é fruto da queda que ele sofreu em casa, em julho
Fellipe Sampaio/Divulgação STF Dias Toffoli, presidente do STF, na volta do recesso do Judiciário; a cicatriz na testa é fruto da queda que ele sofreu em casa, em julho
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