Fachin revoga ato de Toffoli e mantém dados com Lava Jato
Procuradoria-Geral da República, que trava embate público com forças-tarefas, recorrerá da decisão
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinava o compartilhamento de informações da Lava Jato com a Procuradoria-Geral da República.
Toffoli deu o acesso no início de julho, durante o recesso do Judiciário, quando fica responsável pelos processos que chegam ao tribunal. No retorno dos trabalhos, ontem, Fachin reassumiu o caso e reverteu a ordem.
Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o tema para julgamento no plenário do STF. A PGR disse que fará recurso.
A decisão de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providências já tomadas pela procuradoria.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, tinha enviado integrantes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio.
Para Fachin, a possibilidade de a operação ter investigado foro especial e usurpado a competência de PGR e STF não justifica o ato de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.
“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante
Edson Fachin na decisão desta segunda.
brasília O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinava o compartilhamento de dados da Lava Jato com Procuradoria-Geral da República.
Toffoli deu a decisão no início de julho, durante o recesso do Judiciário —período em que o presidente do Supremo fica responsável por todos os processos que chegam ao tribunal.
Com o retorno dos trabalhos, nesta segunda-feira (3), Fachin reassumiu o caso e reverteu a decisão do colega. Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o tema para julgamento no plenário do STF.
A PGR informou que recorrerá da decisão de Fachin. Um integrante seu ouvido pela Folha afirmou que a decisão desta segunda-feira foi animadora para a maioria preocupada com os sinais de desestruturação das forças-tarefas.
Com a decisão de Fachin, a PGR não poderá mais usar os elementos colhidos por elas para abrir procedimento disciplinar contra os procuradores, por exemplo. O ministro do STF também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.
A ordem de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providências já tomadas pela PGR a partir do que havia decidido Toffoli.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, tinha enviado integrantes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato nas forças-tarefas de Curitiba, de São Paulo e do Rio.
Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbio dos dados envolve informações sigilosas.
A relação entre a PGR e a Lava Jato ficou mais tensa após a decisão de Toffoli. Aras afirmou em uma videoconferência, na semana passada, que o trabalho da operação não tem transparência.
“Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos. Todo o MPF, em seu sistema único, tem 40 terabytes. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositados. Ninguém sabe como [esse nomes] foram escolhidos, quais foram os critérios”, disse Aras.
O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro rebateu Aras e disse que “desconhece segredos ilícitos” da operação.
A ofensiva do procuradorgeral da República contra a operação foi reforçada, inclusive, com a saída de Moro do governo federal, em abril, após se desentender com o presidente Jair Bolsonaro.
A solicitação da PGR para ter acesso aos dados foi feita em 13 de maio. A Procuradoria-Geral deixou para o início do recesso, porém, para entrar com ação no STF pedindo que a Lava Jato fosse obrigada a compartilhá-los. E Toffoli, que respondia pelo tribunal no recesso, atendeu à solicitação.
Desde o início, porém, ministros do Supremo mais alinhados à Lava Jato criticaram nos bastidores o despacho de Toffoli.
Esses magistrados consideraram que a ordem do presidente do STF foi muito ampla e não respeitou a jurisprudência atual sobre a necessidade de indicação de fatos e pessoas específicas para justificar o acesso a dados sigilosos.
Fachin deixou isso claro na decisão de 16 páginas publicada nesta segunda-feira.
Ele rechaçou o argumento do princípio da unidade do Ministério Público usado pelo procurador-geral da República para tentar acessar os dados da Lava Jato.
Aras mencionou uma ação ajuizada contra decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que disciplinou a remoção, por meio de uma permuta nacional, de membros de Ministérios Públicos das diferentes unidades da federação.
“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante”, diz.
O ministro alega que a possibilidade de a Lava Jato ter investigado foro especial e usurpado a competência da PGR e do STF não justifica a decisão de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.
No meio político, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), investigada na Lava Jato, usou as redes sociais para afirmar que o compartilhamento de dados da operação é descabido.
“Está claro que a República de Curitiba atuava como polícia política, investigava 38 mil pessoas sem critérios e tem 50 mil documentos em segredo, atuando com parcialidade. Qual o interesse em manter essa caixa-preta?”, questionou.
Apoiador da Lava Jato, o senador Alessandro Vieira (Podemos-SE) afirmou que Edson Fachin corrigiu “o absurdo articulado por Aras e Toffoli”. “É preciso garantir a continuidade do combate à corrupção”, disse. “O sistema sujo não vai desistir. Outras tentativas virão, mas vamos combater a impunidade com todas as forças.”
A disputa entre a cúpula da Procuradoria-Geral e a forçatarefa em primeira instância tornou-se pública após visita a Curitiba, no fim de junho, da subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR e uma das principais auxiliares de Aras.
Os procuradores a acusaram de manobrar para ter acesso a bancos sigilosos de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativas para a tomada da providência. Uma reclamação foi encaminhada à corregedoria do MPF.
A PGR, por sua vez, apresentou ação ao STF na qual relata que expediu um ofício às forças-tarefas do MPF, nas três capitais, “com o objetivo de obter as bases da dados estruturados e não estruturados utilizadas” pelos investigadores. Mas os procuradores se negaram a atender a solicitação.
A Procuradoria-Geral sustenta que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Augusto Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualmente sobre qual esfera toca determi
nadas investigações.
Durante o recesso do Judiciário, ao dar decisão favorável, Toffoli ressaltou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público, além de ferir a competência do Supremo para supervisionar investigações relativas a autoridades com foro.
Segundo a PGR, há “elementos de informação em trânsito na Lava Jato” relativos aos presidentes da Câmara e do Senado, “cujos nomes foram artificialmente reduzidos em tabelas acostadas à denúncia apresentada ao Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba”.
Assim, disse Toffoli, era necessário impedir essa investigação “no seu nascedouro”.
“Aliás, o que se busca garantir, além da preservação da competência constitucional da corte, é o transcurso da investigação sob supervisão da autoridade judiciária competente, de modo a assegurar sua higidez”, afirmou.
O presidente do Supremo disse que era evidente a necessidade do “imediato intercâmbio institucional de informações, para oportunizar ao Procurador-Geral da República o exame minucioso da base de dados estruturados e não estruturados colhida nas investigações”.
No processo foi anexado relatório da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, ligada à PGR, que apontou que os locais em que a força-tarefa do Paraná guarda as informações da Lava Jato têm “estrutura inadequada para o armazenamento de evidências”.
A análise foi feita na visita que Marcelo Caiado, assessorchefe da secretaria, fez no dia 21 de julho ao edifício Patriarca, em Curitiba, onde ficam armazenados os documentos.
“Observa-se que o material apresentado se encontrava acondicionado em caixas, envelopes e em armários, de forma bastante precária”, escreveu o técnico sobre a sala Ópera de Arame, no sexto andar do prédio, onde parte do material está guardado.
Em procedimento para extração de cópia de arquivos, afirmou Caiado, “ocorreram erros em algumas mídias que impossibilitaram a geração da cópia, potencialmente em função de um armazenamento inadequado”.
O assessor concluiu que a Procuradoria-Geral da República em Brasília tem condições de armazenar os dados da força-tarefa “de forma mais segura do que aquele observado no edifício Patriarca”.