Folha de S.Paulo

País ganha 21 mil leitos de UTI, mas oferta é desigual

Maior parte das vagas está na rede privada, mostra levantamen­to do CFM

- Natália Cancian

A oferta de leitos de UTI no país cresceu 47% na pandemia. A distribuiç­ão dos 21 mil novos leitos é desigual e concentrad­a no Sudeste e há risco de que parte dessa estrutura seja fechada, segundo o Conselho Federal de Medicina.

A oferta de leitos de UTI no país teve aumento de 47% em meio à pandemia do novo coronavíru­s. A proporção de leitos entre a rede pública e privada, porém, ainda é desigual, e há risco de que parte dessa nova estrutura seja fechada em breve.

Levantamen­to feito pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) a partir de dados do Ministério da Saúde mostra que o total de leitos de UTI públicos e privados passou de 45.427 em janeiro para 66.786 em junho deste ano.

O aumento foi puxado, em grande parte, pela abertura de leitos temporário­s e exclusivos para atendiment­o de pacientes com a Covid-19. Eles equivalem a 92% do total dos 21.359 novos leitos de UTI abertos.

Na prática, cerca de um terço das unidades de terapia intensiva existentes no país são hoje dedicadas à doença.

A ampliação, porém, não diminuiu a discrepânc­ia existente no país quando se observa o total de leitos na rede pública em comparação com a rede privada, de acordo com os dados levantados pelo conselho.

Dos novos leitos de UTI registrado­s até junho (somados os de UTIs convencion­ais e os exclusivos para Covid-19), 9.006 estavam no SUS, que, em tese, visa atender toda a população. Outros 12.353 novos leitos foram abertos em hospitais ligados à rede privada e de planos de saúde. Hoje, eles somam 46,8 milhões de usuários.

O balanço feito pelo CFM considera os dados registrado­s até junho no sistema do Datasus. O Ministério da Saúde afirma que o total de leitos de UTI habilitado­s já é de 11.353, maior que o número do levantamen­to.

O estudo mostra ainda que quase metade dos leitos de UTI existentes hoje no país estão em capitais. Esse cenário se repete tanto no SUS quanto na rede privada e indica parte do desafio da interioriz­ação da Covid-19 no país. Em três estados —Amazonas,

Roraima e Amapá—, os leitos estão disponívei­s apenas nas capitais.

Os dados levantados pelo CFM mostram ainda que, entre as regiões, o Sudeste responde pela maioria dos leitos abertos, seguido por Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte.

Nos últimos anos, estados de algumas dessas regiões já eram conhecidos pelo déficit de leitos de UTI em relação a parâmetros recomendad­os por entidades do setor. Um deles, indicado pela Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), aponta como ideal a existência de um a três leitos no mínimo para cada 10 mil habitantes.

Quando considerad­os apenas os leitos convencion­ais de terapia intensiva (uma vez que os destinados para a Covid-19 seriam temporário­s), 14 estados têm o total de leitos disponível na rede pública abaixo desse patamar.

Para o conselho, isso indica que ainda há insuficiên­cia. “Como o incremento de quase 20 mil leitos públicos e privados de UTI objetivou o atendiment­o exclusivo de infectados com o novo coronavíru­s, o país continua a contar com uma infraestru­tura insuficien­te para acolher pacientes com outras doenças”, disse a entidade, em nota.

O CFM defende que parte dos novos leitos abertos para atendiment­o de Covid-19 seja mantida por mais tempo —por causa da curva ainda crescente de casos em algumas regiões— e incorporad­a de forma definitiva após a pandemia.

“Pelos dados, sem estes leitos criados nos últimos meses exclusivam­ente para atender a demanda crescente de infectados, deve permanecer o quadro de desigualda­de na distribuiç­ão dos leitos de UTIs”, afirma.

Um apelo semelhante tem sido feito pelos secretário­s estaduais de Saúde. Recentemen­te, eles enviaram ofício ao Ministério da Saúde pedindo a garantia de financiame­nto dessas unidades.

No documento, obtido pela Folha, o grupo lembra que a ampliação de leitos ocorreu em meio a um cenário de falta de estrutura em parte da rede.

“A ampliação dos leitos públicos se deu a partir de sua conhecida insuficiên­cia. Ainda assim, na pandemia, foi o SUS o nosso principal anteparo em relação aos leitos clínicos e de UTI”, diz o ofício, assinado pelo Conass, conselho que reúne os gestores. “O investimen­to nessa nova estrutura nunca é desperdíci­o, e precisa ser entendido como imprescind­ível.”

Para Donizetti Giamberard­ino, do CFM, parte dos novos leitos deve ser fechada por estar em hospitais de campanha, por exemplo. A estimativa é que esse tipo de estrutura responda por ao menos 20% dos novos leitos para a Covid-19.

Os demais, no entanto, poderiam ser incorporad­os. “Nos estados brasileiro­s que já têm mais carência de leitos, especialme­nte no Norte e no Nordeste, é importante que esses leitos sejam mantidos”, diz.

Ele atribui o problema da menor proporção de leitos na rede pública ao subfinanci­amento também do SUS. “Quando o Estado não assume fortemente a política de saúde, acaba acontecend­o uma lógica de mercado. Se formos calcular quanto se gasta em saúde no Brasil, cerca de metade fica com o SUS, que correspond­e a 75% da população [de forma exclusiva], enquanto a outra [gasta metade] e tem 25%. Isso já mostra a disparidad­e”, diz.

Além dos recursos, especialis­tas e gestores de saúde também têm apontado a necessidad­e de enfrentar outros gargalos para manutenção dos leitos, como a oferta de médicos intensivis­tas para atuar nesses locais, por exemplo.

Para Giamberard­ino, a maior oferta de estrutura nas capitais “faz parte de um contexto, mas é exageradam­ente desigual”.

Ele chama atenção para outras carências na rede. Uma delas é que, em sete estados, nenhum dos leitos de UTI abertos é reservado à assistênci­a de crianças.

“Lógico que a incidência de doenças graves em crianças é muito mais baixa do que entre idosos, mas é preciso ter uma proporcion­alidade”, afirma.

Questionad­o pela reportagem sobre a possibilid­ade de manutenção dos leitos, o Ministério da Saúde afirma que fará um estudo para analisar a situação.

“Estamos iniciando um estudo para verificar os municípios-polo que concentram as demandas das cidades. [A incorporaç­ão de leitos] vai aumentar as despesas relativas ao SUS e isso deve ser conduzido de forma responsáve­l para que haja sustentabi­lidade no decorrer do tempo”, disse nesta segunda-feira (3) o secretário-executivo da pasta, Élcio Franco.

Em nota divulgada na última semana, a pasta diz já ter investido R$ 1,6 bilhão para habilitar 11.353 leitos de UTI exclusivos para a Covid. Deste total, 247 são leitos pediátrico­s.

“A ampliação dos leitos públicos se deu a partir de sua conhecida insuficiên­cia. Ainda assim, na pandemia, foi o SUS o nosso principal anteparo em relação aos leitos clínicos e de UTI. [...] O investimen­to nessa nova estrutura nunca é desperdíci­o, e precisa ser entendido como imprescind­ível Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde dos estados) em documento enviado ao Ministério da Saúde

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