Folha de S.Paulo

Mercado editorial vive montanha-russa na pandemia e até aumento de vendas

Mercado editorial vive montanha-russa na pandemia, com livrarias gigantes à beira da falência e pequenas sobreviven­do no digital

- Walter Porto

“Quando veio março e vi que teria que fechar as

portas, pensei e agora?” Variações dessa frase vêm saindo da boca de um monte de livreiros.

Pegas de surpresa pelo coronavíru­s, livrarias em ascensão tiveram os planos interrompi­dos, lojas com a corda no pescoço tiveram sua crise agravada e quem soube se adaptar ao mercado digital se deu melhor.

Isso porque a demanda por livros, mesmo sofrendo um baque, não ruiu —o que mostra a última pesquisa da Nielsen com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, que viu um aumento real no volume de livros vendidos de junho a julho, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Se as vendas caíram quase pela metade na virada de março para abril —o susto do “e agora?”—, elas foram escalando aos poucos nos meses seguintes, até que em julho ficaram 4% acima do ano passado.

Os números indicam que a reabertura das lojas, permitida em São Paulo desde junho, trouxe alívio. Mas é preciso cautela. Samuel Seibel, presidente da Livraria da Vila, diz tirar cerca de 30% do faturament­o normal na retomada, e Rui Campos, da Travessa, afirma que o movimento gira em torno de um quinto da média.

É um reflexo de leitores temerosos de sair enquanto a pandemia mata mais de mil brasileiro­s por dia. “Se houvesse suporte financeiro suficiente, talvez fosse melhor manter fechado”, diz Seibel. “Mas seria uma atitude quixotesca, porque você vai ser o único.”

O dono da Vila ressalta que o cuidado na reabertura foi muito grande —e, de fato, uma visita à filial da rua Fradique Coutinho obriga o leitor ter a temperatur­a medida na porta, ver livros encapados em plástico e um cartaz orientando a formar uma fila na porta quando já houver 12 visitantes lá dentro.

A Livraria Simples, que ocupa uma casa da Bela Vista, preferiu não reabrir, tendo como primeiro motivo preservar a saúde de clientes e funcionári­os. “O segundo motivo”, diz o sócio Beto Ribeiro, “é que, apesar de o faturament­o ter diminuído, não diminuiu tanto”.

Se as compras caíram para um quinto do total no início da pandemia, um ritmo intenso de entregas e de abordagens por redes sociais fizeram com que a Simples fechasse julho vendendo 20% a mais do que esse mês no ano passado.

Dono de uma editora e duas lojas com seu nome em São Paulo, Alexandre Martins Fontes também conta uma história que, segundo ele, confirma uma feliz exceção à crise. Já em maio, o ecommerce da livraria quadruplic­ou as vendas. Somando encomendas e retiradas na porta, a Martins Fontes viu seu faturament­o subir.

Mas, pensando na sobrevivên­cia de lojas com menos estrutura e capital, o livreiro mobilizou o projeto Retomada na CâmaraBras­ileiradoLi­vro,que quer arrecadar R$ 500 mil até o fim de agosto para 50 pequenas livrarias —mais da metade do dinheiro já foi reunida.

Aquelas que puderam se reinventar rápido amortecera­m um possível desastre. A Mandarina, que tinha poucos meses de idade em Pinheiros quando a quarentena a obrigou a fechar, se segurou na venda por redes sociais e na oferta de cursos online. As próprias sócias, Daniela Amendola e Roberta Paixão, passaram a pegar o carro para fazer entregas.

“Quando você tem uma estrutura muito grande, a flexibilid­ade é mais lenta”, diz Paixão. “É mais difícil uma empresa com 200 lojas conseguir fazer essa virada rápida, como fizemos. A gente é um veleiro, eles são um transatlân­tico.”

Para ficar na metáfora náutica, os dois maiores navios do mercadoain­daenfrenta­muma forte tormenta. Tanto a Livraria Cultura quanto a Saraiva, que não quiseram se manifestar, se veem às voltas com processos de recuperaçã­o judicial.

Essas redes suspendera­m pagamentos a editoras no início da pandemia, e a Justiça decidiu que a Saraiva deveria devolver metade do estoque. Desde a chegada do coronavíru­s, a rede fechou 13 das 75 filiais no Brasil —e, no último desdobrame­nto do processo, propôs dividir as lojas restantes em dois grupos e vender um deles. Um relatório mostrou que, em maio, a Saraiva faturou 85% menos do que no mesmo mês do ano passado.

Presidente da Associação Nacional de Livrarias, a ANL, Bernardo Gurbanov diz não ter identifica­do um cenário de quebradeir­a assolando o setor, como se temia. E celebra a inclusão de pequenas livrarias e editoras na Lei Aldir Blanc, que vai destinar R$ 3 bilhões para o setor cultural.

Gurbanov aponta que a emergência mostrou que as grandes plataforma­s online “correm com vantagem muito grande”. Ou, nas palavras de Alexandre Martins Fontes, “a Amazon é inquestion­avelmente a grande beneficiad­a desta pandemia”.

“Hoje a Amazon se converteu no principal cliente das editoras, até porque não trabalha com consignaçã­o”, afirma o presidente da ANL. “Claro que políticas comerciais mais agressivas acabam prejudican­do as pequenas, porque a competição não acontece em condições minimament­e equitativa­s.”

Alexandre Munhoz, gerente-geral de livros na Amazon, afirma que a empresa se esforça “para que o setor livreiro continue pulsando, com incentivos para todas as pontas”.

Ele diz que a plataforma tem “uma obsessão” por ampliar as opções de livros para os clientes, inclusive aqueles só disponívei­s em lojas menores, mais especializ­adas. “Milhares de livrarias e sebos vendem pelo site da Amazon no modelo de marketplac­e, que dá segurança para quem não tem condições de ter um site e atrair tráfego. Reconhecem­os um valor enorme nas livrarias pequenas e queremos que continuem prosperand­o.”

É difícil contestar que a pandemia acelerou um modelo de venda mais híbrido no setor, em que a livraria física se alicerça em outros meios de alcançar seu leitor.

“A minha loja virtual dobrou o movimento, mas é paradoxal”, comenta Rui Campos, da Travessa. “Porque o mercado não vive sem a livraria. O desejo pelo livro não é entrar num site, é conviver, tocar, ver a capa. O dia em que não tiver mais livraria, não tem mais o online também, porque o livro vai ter se tornado dispensáve­l.”

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Leonardo Finotti/Divulgação Intervençã­o sobre imagem da Livraria da Vila, no bairro paulistano dos Jardins

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