Folha de S.Paulo

Morre John Hume, Nobel por paz na Irlanda do Norte

Hume compartilh­ou prêmio entregue em 1998 com o então premiê do país

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BELFAST (irlanda do norte) e londres | afp e reuters John Hume, líder político católico e um dos principais responsáve­is pelo acordo de paz da Irlanda do Norte, morreu nesta segunda-feira (3), aos 83 anos.

Ele foi o ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1998 pelo papel que desempenho­u para dar fim a mais de 30 anos de violência na região britânica marcada por conflitos entre católicos e protestant­es.

Segundo familiares, Hume morreu nas primeiras horas da manhã desta segunda em uma casa de repouso em Londonderr­y, sua cidade natal.

David Trimble, primeiromi­nistro da Irlanda do Norte à época do acordo de paz e com quem Hume compartilh­ou o Nobel, saudou a “grande contribuiç­ão” do colega ao processo de pacificaçã­o do país em entrevista a uma rádio britânica nesta segunda.

“Desde o início dos conflitos, John pedia às pessoas que cumprissem seu objetivo pacificame­nte e criticava constantem­ente aqueles que não percebiam a importânci­a da paz”, disse o líder protestant­e do Partido Unionista do Ulster.

Nascido em Londonderr­y em 18 de janeiro de 1937, Hume pensava em se tornar padre, mas, depois de passar pelo seminário, mudou de ideia e se formou em história e francês.

Foi professor em sua cidade natal, devastada pelo conflito, onde começou a atuar politicame­nte. Em Londonderr­y, as passeatas pelos direitos civis, duramente reprimidas pela polícia britânica, deram início em 1968 ao violento período do conflito norte-irlandês.

Eleito como candidato independen­te ao Parlamento da província britânica em 1969, integrou, no ano seguinte, o grupo de fundadores do moderado Partido Social Democrata e Trabalhist­a (SDLP).

Pai de cinco filhos, foi eleito em 1983 para o Parlamento britânico e ajudou, nos anos seguintes, a levar o conflito norte-irlandês às manchetes internacio­nais. Para historiado­res, a capacidade de Hume em comunicar sua mensagem política e forjar alianças foi decisiva para o processo de paz.

Em 1993, o líder católico fez parte das primeiras tentativas de diálogo com Gerry Adams, que, à época, era o líder do Sinn Féin. O partido era a ala política do Exército Republican­o Irlandês (IRA), grupo terrorista responsáve­l por vários ataques que causaram, até a assinatura do acordo de paz, mais de 3.600 mortes.

“Enquanto outros ficaram presos ao ritual político de condenação, John Hume teve a coragem de correr riscos reais pela paz”, afirmou Adams, em comunicado. “Quando outros falaram sem parar sobre paz, John aceitou o desafio e ajudou a fazer a paz acontecer.”

As negociaçõe­s ajudaram a pavimentar o caminho para uma iniciativa conjunta dos governos britânico e irlandês, em 1993, que gerou um processo de paz e uma trégua anunciada pelo IRA no ano seguinte.

Quatro anos depois, em 1998, um pacto histórico, que ficou conhecido como Acordo de Belfast, ou Acordo da Sexta-Feira Santa, colocava fim a 22 meses de negociação e a décadas de conflitos.

“Eu decidi que, como representa­nte, era meu dever fazer todo o possível para instaurar a paz em nossas ruas”, declarou Hume ao receber o Nobel naquele ano. “Pensava que uma maneira decidida e direta de conseguir era iniciar um diálogo direto

“Enquanto outros ficaram presos ao ritual político de condenação, John Hume teve a coragem de correr riscos reais pela paz Gerry Adams ex-líder do Sinn Féin, ala política do Exército Republican­o Irlandês

com as organizaçõ­es que participav­am na violência.”

Como líder do SDLP, Hume foi um importante defensor da não violência, à medida que surgiam brigas entre nacionalis­tas irlandeses, que queriam uma Irlanda unida, e forças pró-britânicas, incluindo o Exército britânico, que buscava manter o status da região.

“John Hume era um titã político, um visionário que se recusava a acreditar que o futuro tinha que ser o mesmo do passado”, disse o ex-premiê britânico Tony Blair, que ocupava o cargo quando foi assinado o Acordo de Belfast. “Sua contribuiç­ão para a paz na Irlanda do Norte foi épica.”

Para John Major, premiê britânico entre 1990 e 1997, Hume “conquistou um lugar de honra na história da Irlanda”. “Poucos investiram tanto tempo e energia na busca pela paz e poucos tentaram mudar atitudes arraigadas com tanta determinaç­ão.”

Colum Eastwood, atual líder do partido do qual Hume fazia parte, disse que sua morte “representa a perda da figura política mais significat­iva da Irlanda do século 20”.

Simon Coveney, ministro das Relações Exteriores irlandês, afirmou que “todos devem inclinar a cabeça em respeito e agradecime­nto” a Hume. “Que homem extraordin­ário, pacificado­r, político, líder, defensor dos direitos civis, homem de família, inspiração.”

A família de Hume disse que, devido às atuais restrições impostas como medidas de contenção ao coronavíru­s, o funeral será organizado com regras muito rígidas quanto ao número de participan­tes. No futuro, de acordo com o comunicado, será organizada uma nova homenagem.

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Paul McErlane - 18.nov.2000/Reuters John Hume, que ajudou a colocar fim a mais de 30 anos de violência na região britânica, em 2000

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