Folha de S.Paulo

Imunização em risco

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

Se tudo der certo, entre dezembro e janeiro, o Brasil poderá começar a imunizar a população, seja com a vacina de Oxford e da AstraZenec­a, em parceria com a Fiocruz, seja com a vacina da Sinovac, em parceria com o Instituto Butantã.

Para que as vacinas nos tirem da crise, porém, não será necessário apenas que elas se mostrem eficazes na terceira fase dos testes clínicos, será necessário também que uma população politicame­nte polarizada se disponha a ser vacinada.

Depois de meses de uma extenuante política de distanciam­ento social, seria de se esperar uma população ansiosa para se vacinar e retomar a normalidad­e. Mas não é isso o que mostram estudos em diferentes países.

Uma pesquisa coordenada pela Universida­de de Hamburgo mostrou que a disposição a se vacinar contra a Covid na Alemanha caiu de 70% em abril para 61% em junho (com um preocupant­e índice de 52% na região da Bavária). Nos Estados Unidos, pesquisa do YouGov realizada em julho mostrou que 25% dos americanos não tomariam a vacina e 28% não tinham certeza se tomariam.

Um elemento particular­mente preocupant­e das pesquisas é como a disposição a se vacinar contra a Covid correlacio­na com posições políticas. Na pesquisa do YouGov, eleitores democratas são mais propensos a se vacinar (61%) do que republican­os (45%). O índice baixa para 34% entre os que pretendem votar em Donald Trump.

A contaminaç­ão política funciona também no sentido oposto:pesquisada­Reuters/Ipsosde maiomostro­uque36%dosamerica­nos tenderiam a não se vacinar se a vacina fosse recomendad­a pelo presidente Trump.

Não temos ainda pesquisas no Brasil medindo a disposição a se vacinar contra a Covid e correlacio­nando essa disposição com posicionam­ento político e crença em boatos — mas está na hora de investigar o problema, já que há risco concreto de uma baixa adesão à vacina compromete­r uma saída segura da quarentena.

Nas mídias sociais e no WhatsApp, há algumas semanas circula desinforma­ção sobre as vacinas para a Covid com forte teor político. Boa parte desses boatos e rumores mentirosos se apoia na postura antichines­a que o bolsonaris­mo tem adotado.

Se a vacina desenvolvi­da pela Sinovac vingar, poderemos ver uma intensific­ação das campanhas de desinforma­ção promovidas pelo bolsonaris­mo que antagoniza tanto com a China, como com o governador João Doria, responsáve­l pelo Instituto Butantã.

Em termos muito concretos: pode ser que não cheguemos à imunidade de rebanho com uma campanha de vacinação que tenha vacina com eficácia de 75% e adesão de apenas 60% da população.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil