Folha de S.Paulo

Embaixador nega motivo político para queda de barreira do etanol

- Ricardo Della Coletta

brasília O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, negou nesta segunda (3) que tenha defendido junto a autoridade­s brasileira­s que a derrubada de barreiras comerciais ao etanol americano beneficiar­á a reeleição do presidente Donald Trump.

“Qualquer interpreta­ção de que minha defesa de interesses comerciais de longa data, durante um ano eleitoral, foi uma tentativa para beneficiar um candidato presidenci­al específico é simplesmen­te incorreta”, disse Chapman, em nota da embaixada.

Como a Folha mostrou em junho, autoridade­s americanas argumentar­am que o governo Jair Bolsonaro poderia melhorar as chances de reeleição de Trump caso aceite eliminar uma sobretaxa ao etanol americano importado.

Na semana passada, após o tema voltar a ser noticiado por jornais brasileiro­s, o Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos EUA, controlado por democratas, enviou uma carta à embaixada em Brasília exigindo explicaçõe­s.

Eliot Engle, presidente do comitê congressua­l, disse que o uso de argumentos políticos e eleitorais para a defesa de um objetivo comercial seria “inapropria­do para um embaixador americano” e uma potencial violação de leis dos EUA, uma vez que os diplomatas deveriam adotar uma postura não partidária.

O deputado americano demandou que Chapman detalhasse em correspond­ência ao comitê o conteúdo de suas tratativas com membros do governo brasileiro sobre etanol.

“Em nenhum momento solicitei aos oficiais brasileiro­s que tomassem quaisquer medidas em apoio a qualquer candidato presidenci­al [americano]”, diss Chapman.

Ele alega que publicaçõe­s da imprensa “descaracte­rizam” assuntos discutidos com autoridade­s brasileira­s, alegando que o diplomata americano sugeriu que um “resultado particular de uma questão poderia favorecer as chances de eleição de um candidato presidenci­al sobre outro”.

“O meu papel nessas reuniões foi continuar a defender o comércio aberto e a cooperação em questões comerciais, bem como buscar outras áreas de interesse mútuo para o Brasil e os Estados Unidos.”

Segundo relatos feitos à Folha, os americanos trabalham pelo fim de uma cota de importação anual sem tarifa de 750 milhões litros de etanol —o que ultrapassa esse volume paga uma taxa de 20%.

A cota em vigor já é resultado de um agrado aos americanos: até o ano passado era limitada a 600 milhões de litros por ano, mas foi incrementa­da para o valor atual. Os EUA produzem etanol a partir do milho, e o produto é mais barato que o similar brasileiro, feito com cana-de-açúcar.

Os americanos são os maiores vendedores da substância ao Brasil: em abril, segundo dados do governo compilados pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), foram 142,5 milhões de litros importados, sendo que 127,6 milhões vieram dos EUA.

A entrada do álcool estrangeir­o afeta principalm­ente pequenos usineiros no Nordeste, que no ano passado tentaram, sem sucesso, impedir a elevação da cota de importação.

O fim das barreiras de importação é pleito antigo dos EUA, mas os americanos voltaram à carga nos últimos meses com novos argumentos.

O principal deles é que desta vez o tema é politicame­nte sensível porque Trump deve se beneficiar eleitoralm­ente do aumento de vendas de etanol nos estados do meio-oeste que fazem parte do Corn Belt (cinturão do milho).

A cota de importação atual vence no final de agosto, quando o presidente Jair Bolsonaro precisará decidir se atende ao pleito de seu aliado estratégic­o ou não. Tentam resistir ou ao menos reduzir os impactos de uma nova concessão os produtores nacionais de etanol, a bancada ruralista e a ministra da Agricultur­a, Tereza Cristina.

No governo brasileiro, as principais vozes em defesa do fim da cota para o etanol americano são o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República.

Eles são expoentes da chamada ala ideológica e advogam por um alinhament­o automático com os EUA.

Membros da administra­ção Bolsonaro e parlamenta­res que são contrários ao novo aceno a Washington têm argumentad­o que os americanos estão usando uma justificat­iva política para obter uma vitória comercial há muito desejada: o fim de obstáculos para a venda de etanol no Brasil.

Nada indica, dizem, que o levantamen­to das barreiras teria potencial para influencia­r de forma significat­iva a eleição no meio-oeste.

O presidente da FPA (Frente Parlamenta­r Agropecuár­ia), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), teve uma conversa recente com o embaixador Chapman e disse que, embora o diplomata não tenha defendido explicitam­ente a reeleição de Trump, havia sim um componente político implícito na mensagem.

“É impossível, não temos como abrir a cota de etanol sem limites para os americanos. Se não, nós quebramos o mercado, principalm­ente os produtores do Nordeste.”

O presidente da Unica (União da Indústria de Cana-deAçúcar), Evandro Gussi, reagiu e disse que os EUA não buscam “defesa de interesse comerciais de longa data”, como alega o diplomata.

Qualquer interpreta­ção de que minha defesa de interesses comerciais de longa data, durante um ano eleitoral, foi uma tentativa para beneficiar um candidato presidenci­al específico é simplesmen­te incorreta Todd Chapman embaixador dos EUA no Brasil

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