Folha de S.Paulo

Congresso deve limitar plano para tirar infraestru­tura do teto de gastos

Ministros da área e do Planalto tentam, outra vez, contornar trava fiscal; Paulo Guedes é contra

- Thiago Resende, Julio Wiziack e Julia Chaib

brasília Ministros da área de infraestru­tura e do Palácio do Planalto articulam com parlamenta­res uma forma de conseguir driblar o teto de gastos neste ano e liberar verba para obras, como saneamento e habitação, sem a trava fiscal. A manobra, porém, enfrenta resistênci­a no Congresso e a percepção é que não vai avançar, pelo menos integralme­nte, no Legislativ­o.

A regra do teto de gastos impede o cresciment­o das despesas públicas acima da inflação.

O plano já gerou críticas, especialme­nte do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por prever ações que não têm ligação com preservaçã­o da saúde pública no ano marcado por perdas com a pandemia.

Mesmo mais enxuta, a proposta é rejeitada também pelo Ministério da Economia. Assessores do ministro Paulo Guedes (Economia) ressaltam que as obras seriam pagas apenas em anos posteriore­s, quando não deve haver a flexibiliz­ação de normas provocada pela pandemia.

Além disso, o TCU (Tribunal de Contas da União) já tem indicado que a liberação para gastos ligados à pandemia precisa ser limitada a 2020.

O embate dentro do governo opõe novamente a equipe de Guedes a um grupo de ministros, como Rogério Marinho (Desenvolvi­mento Regional), Luís Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestru­tura).

Essa ala defende que o governo impulsione investimen­tos públicos como forma de acelerar a recuperaçã­o econômica após a crise provocada pelo novo coronavíru­s.

Mas há também, segundo avaliação de integrante­s do governo, um componente político. Aumentar obras, por exemplo, de gestão de recursos hídricos tem forte impacto na popularida­de do governo em regiões mais pobres. Ou seja, há a chance de a medida ter efeito nas eleições, inclusive na presidenci­al de 2022.

Outro fator citado é o apoio político do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, que pode se elevar diante de negociaçõe­s com parlamenta­res para que obras públicas sejam financiada­s com recursos de emendas de deputados e senadores.

Congressis­tas usam esse instrument­o para apadrinhar projetos e elevar seu capital político.

A nova investida, encabeçada por Marinho, é usar um projeto que já tramita na Câmara para que algumas obras sejam considerad­as necessária­s para enfrentar a calamidade pública causada pela Covid-19 e, assim, possam ficar livres da limitação do teto de gastos.

Uma avaliação feita com líderes do Congresso mostrou uma forte resistênci­a à ideia de excluir projetos de habitação fora do teto, pois isso colocaria em risco a credibilid­ade da regra fiscal.

O plano, então, foi enxugado para uma nova tentativa de acordo entre partidos.

Maia ainda é crítico à proposta de flexibiliz­ar a limitação das despesas.

Técnicos da equipe de Guedes argumentam que, se o Congresso burlar o teto, agências de classifica­ção de risco poderão reduzir a nota do Brasil, afastando investidor­es. Portanto, eles afirmam que o investimen­to com dinheiro do Orçamento seria pouco em relação aos danos na imagem do país no exterior.

As tratativas com o Congresso envolvem um projeto do deputado Mauro Benevides (PDT-CE) que liberar recursos parados em fundos públicos, como fundo de garantia às exportaçõe­s e fundo nacional de aviação civil, para bancar a alta de despesas em ano de pandemia.

A proposta de Benevides é aliviar a necessidad­e de o Tesouro Nacional lançar novos títulos de dívida pública para financiar os gastos. A estimativa é que entre R$ 170 bilhões e R$ 180 bilhões sejam desvincula­dos dos fundos. Esse dinheiro ficou como estoque de anos anteriores.

No entanto, uma ala do governo defende que parte dessa verba seja destinada a obras públicas e que o projeto também liste projetos que podem ser executados fora da limitação do teto de gastos.

Procurado, o Ministério da Infraestru­tura disse que não participa de negociaçõe­s para retirar obras da limitação do teto de gastos e que a regra fiscal deu início a uma trajetória de recuperaçã­o fiscal do país. O Ministério do Desenvolvi­mento Regional não comentou.

A versão original do projeto de Benevides prevê que o dinheiro seja usado em medidas já adotadas, como o auxílio emergencia­l (pago a trabalhado­res informais e desemprega­dos na pandemia) e ações de proteção ao emprego.

Para a equipe econômica, a mudança negociação por Marinho com o Congresso cria novas despesas e desvirtua o objetivo inicial do projeto.

Técnicos dizem acreditar que isso seria uma manobra, pois, se as despesas almejadas pela área de infraestru­tura do governo tivessem relação à pandemia, os gastos já estariam aprovados e liberados por meio de crédito extraordin­ário.

A regra do teto permite que despesas inesperada­s sejam realizadas por crédito extraordin­ário. Isso foi feito, por exemplo, com o auxílio emergencia­l.

Outra frente de ameaça ao teto, na avaliação de especialis­tas, veio da própria equipe de Guedes, que propôs usar dinheiro do Fundeb (fundo de educação básica) para colocar em prática a ideia de vouchercre­che. O Fundeb não é limitado ao teto.

O projeto apresentad­o pelo Ministério da Economia a congressis­tas era para famílias de baixa renda receberem dinheiro e, com isso, pagarem creches privadas para os filhos. O Congresso rejeitou esse plano, mas integrante­s do governo ainda não desistiram da ideia e negociam com parlamenta­res um projeto para permitir que recursos do Fundeb sejam vinculados ao programa social, chamado de Renda Brasil, em elaboração pelo Executivo.

Membros do time de Guedes que apresentar­am a proposta negam que isso seja uma maneira de burlar o teto de gastos, pois a verba seria destinada a creches e educação infantil. Economista­s, no entanto, acusam o governo de tentar realizar uma contabilid­ade criativa.

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Michel Jesus - 14.jul.20/Divulgação Câmara dos Deputados Deputados discutem ordem do dia antes de vitação na Câmara

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