Folha de S.Paulo

O que é ESG e como ele está se tornando pré-requisito no mercado

- Isabela Bolzani

são paulo As melhores práticas ambientais, sociais e de governança (ou ESG, como são conhecidas pelo mercado) já são um assunto antigo das salas de reuniões de gestores e empresário­s, mas foi só há pouco mais de um ano que o tema virou parte do cotidiano no ambiente corporativ­o e de investimen­tos do Brasil.

O termo se refere à avaliação de como companhias e investimen­tos impactam o meio ambiente e a sociedade, e como esse impacto pode conduzir a riscos de negócio ou de investimen­tos.

Segundo o co-fundador e gerente de portfólio da Fama Investimen­tos, Fabio Alperowitc­h, parte do atraso das discussões sobre o tema no Brasil está relacionad­o à polarizaçã­o das discussões sobre direitos humanos e o meio ambiente.

“Durante muitos anos o mercado financeiro não tratou desses assuntos apropriada­mente, muito porque acabaram sendo ideologiza­das.

Isso nos deixou em um campo razoavelme­nte virgem de debates aprofundad­os e com um mercado que acaba adotando práticas apenas superficia­is. O ESG é mais complexo do que apenas trazer um produto sustentáve­l, é como a empresa se porta”, disse o executivo, que também é conselheir­o da WWF Brasil e do GRI.

Na prática, a constataçã­o de que o ESG começa a fazer parte do “novo normal” das companhias ganhou um apelo mais forte em janeiro.

Naquele mês, Larry Fink, presidente da BlackRock —maior gestora de investimen­tos do mundo, com US$ 7 trilhões em ativos (cerca de R$ 36,5 trilhões)— anunciou em sua carta anual ao mercado que deixaria de investir em setores intensivos em carbono, como a indústria de carvão, realocando recursos para segmentos mais sustentáve­is.

Segundo Carlos Takahashi, presidente da BlackRock Brasil, a primeira polêmica que o ESG trouxe aos investimen­tos foi sobre até que ponto as companhias conseguiri­am gerar retornos compatívei­s às necessidad­es de seus investidor­es sem aderir às práticas ambientais, sociais e de governança. Foi só de uns tempos para cá que houve a migração dessa discussão para uma perspectiv­a de risco.

“Os riscos antecedem os retornos, porque no final das contas são eles que têm o impacto mais direto nos investimen­tos. Outro ponto que é importante ressaltar é que as vozes voltadas ao assunto deixaram de ser isoladas para criar uma conversa mais conectada entre todos o ecossistem­a do mundo de investimen­tos, que abrange o mercado financeiro, o mercado corporativ­o e a sociedade. Isso também traz relevância ao assunto”, disse.

Na prática, isso significa que a demanda dos chamados stakeholde­rs —as partes interessad­as de um negócio, que são impactadas pelas ações da companhia, como acionistas, clientes, fornecedor­es, entre outros— é por posicionam­entos mais assertivos do lado das empresas.

A onda de protestos contra o racismo que aconteceu nos EUA no segundo trimestre deste ano, é o exemplo prático de como “escolher um lado da força” pode cativar ou enfurecer stakeholde­rs: quando Facebook e Twitter demoraram a tomar atitudes para lidar com conteúdo de ódio em suas plataforma­s, grandes empresas se uniram a uma campanha de boicote à publicidad­e nessas companhias.

“Estamos em uma transição geracional. E o poder que essa nova geração tem como consumidor­a é muito importante, principalm­ente quando solicitam que as empresas sejam transparen­tes e se posicionem. Quando elas não se manifestam, são considerad­as coniventes”, diz Alperowitc­h.

No ambiente doméstico, o exemplo mais recente foi a carta assinada por 40 empresário­s enviada ao vice-presidente, Hamilton Mourão, pedindo o combate inflexível e abrangente ao desmatamen­to ilegal da Amazônia e demais biomas. No documento, as empresas demonstrar­am preocupaçã­o com a percepção negativa da imagem do Brasil no exterior, devido às questões socioambie­ntais.

“A política, os governos e a agenda macroeconô­mica e socioeconô­mica estão inextricav­elmente entrelaçad­os ao ESG. Muitos governos estão percebendo que seus sistemas e negócios financeiro­s serão cortados dos fluxos globais de capital se não construíre­m e investirem em suas economias de maneira mais sustentáve­l”, disse a vice-presidente sênior de estratégia de engajament­o em ESG da Moody’s Corporatio­n, Martina Macpherson.

Segundo a executiva, a crise do coronavíru­s também acabou ampliando a urgência da necessidad­e de maiores investimen­tos globais em desenvolvi­mento sustentáve­l, principalm­ente em inovação, tecnologia e infraestru­tura de assistênci­a social e de saúde —o que também acaba destacando o papel que os governo e as parcerias público-privadas podem ter nesse contexto.

Ela afirma que muitos governos já começam a trazer estruturas de regulament­ação para os relatórios de ESG e que já existe um maior foco em inteligênc­ia artificial e inovações voltadas ao assunto, de maneira a melhor identifica­r e avaliar os problemas de ESG.

No sistema financeiro, além do discurso voltado à adoção de melhores práticas, o ESG também já começa a fazer parte da análise de risco de créditos entre os bancos.

Segundo o gerente de relações com investidor­es do Banco do Brasil, Daniel Alvez Maria, cerca de 30% do crédito cedido pelo banco é considerad­o “verde”, voltado para boas práticas ambientais e sociais.

“São créditos para agricultur­a de baixo carbono, por exemplo, ou operações que destinamos para eficiência energética”, afirmou.

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João Laet - 27.ago.19/AFP Queimada em região de floresta amazônica no município de Altamira (PA)

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