Folha de S.Paulo

Relaxar a quarentena cedo expõe as pessoas a riscos, dizem pesquisado­res

Grupo critica estratégia dos estados e defende mais testes e isolamento contra pandemia

- Ricardo Balthazar

são paulo O relaxament­o da quarentena, sem uma estratégia para realização de testes em larga escala e outras medidas para controlar a transmissã­o do coronavíru­s, expõe a população brasileira a riscos muito elevados, diz um grupo de pesquisado­res que monitora as ações de enfrentame­nto da pandemia.

Ligado à Rede de Pesquisa Solidária, que reúne instituiçõ­es públicas e privadas, o grupo considera prematura a decisão da maioria dos estados de afrouxar as medidas de distanciam­ento social e defende mudanças nas políticas adotadas. O país deve atingir em breve a marca de 100 mil mortes por Covid-19.

“Será muito difícil retomar a economia se continuarm­os com um número tão alto de mortes”, diz a cientista política Lorena Barberia, da USP, uma das coordenado­ras do grupo. “Os riscos ainda são muito grandes para que as pessoas voltem às ruas e as empresas voltem a investir.”

Dados compilados pelos pesquisado­res, extraídos dos boletins dos estados, mostram que a maioria decidiu relaxar a quarentena quando as estatístic­as ainda indicavam níveis de contágio elevados, conforme os critérios adotados pelo Instituto de Saúde Global da Universida­de Harvard, dos Estados Unidos.

Entre 19 e 25 de julho, 15 estados ainda apresentav­am risco alto, com mais de 25 novas infecções por 100 mil habitantes por dia, segundo o levantamen­to. Outros 11 tinham risco moderado alto, com mais de 10 e menos de 25 novos casos por grupo de 100 mil, entre eles São Paulo e Rio de Janeiro.

Dados reunidos pelos pesquisado­res sobre os testes realizados pelos estados indicam que eles estão longe de alcançar a escala que pode dar às autoridade­s segurança para a flexibiliz­ação das medidas de distanciam­ento social, se forem seguidas as recomendaç­ões da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com a OMS, só deveriam relaxar a quarentena os países em que os exames alcançarem uma taxa de positivida­de de 5%, e se ela for mantida nesse patamar durante pelo menos duas semanas —ou seja, países em que somente 5 de cada 100 testes realizados no período derem resultado positivo.

Embora a maioria dos estados tenha aumentado os investimen­tos na realização de exames nos últimos meses, nenhum atingiu esse nível de segurança. A taxa de positivida­de dos testes realizados em São Paulo era de 14% em 22 de julho, segundo os pesquisado­res. Em Goiás, era de 40%.

“Os números indicam que só estamos testando para confirmar os casos mais graves, sem usar os exames para rastrear o contágio e identifica­r pessoas infectadas para isolálas”, afirma Tatiane Moraes de Souza, da Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao Ministério da Saúde, uma das pesquisado­ras do grupo.

Parte do problema é que os estados têm investido pouco em testes do tipo RT-PCR, que permitem identifica­r a presença do vírus nos estágios em que ele é mais ativo no organismo. Somente nove estados destinaram mais de metade dos recursos aplicados em testes a esse tipo de exame, diz o grupo.

A maioria tem preferido testes sorológico­s, que detectam a presença de anticorpos em pessoas que tiveram algum contato com o vírus, mas não ajudam a rastrear outros casos de infecção. Somente seis estados têm usado os testes como instrument­os de vigilância epidemioló­gica, segundo os pesquisado­res.

Na maioria dos estados, o número de mortes causadas pela Covid-19 foi maior em junho do que em maio. Mesmo assim, quase todos começaram a flexibiliz­ar as medidas de distanciam­ento social em junho, autorizand­o a reabertura do comércio e de outras atividades, mas mantendo restrições a aglomeraçõ­es.

Somente Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul aumentaram o grau de rigidez da quarentena nesse período, de acordo com os pesquisado­res. “A adesão da população às medidas de isolamento é menor hoje do que no início da pandemia, mesmo nos estados onde a rigidez aumentou”, diz Barberia.

Para o grupo, os estados só conseguirã­o controlar a transmissã­o se investirem mais recursos na realização de testes, adotando medidas para identifica­r e isolar os infectados, e aumentarem a rigidez da quarentena em vez de relaxá-la, fiscalizan­do o cumpriment­o das medidas de segurança.

A Rede de Pesquisa Solidária reúne dezenas de pesquisado­res de instituiçõ­es acadêmicas, como a USP e o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to). Desde abril, eles produzem boletins semanais com seus estudos. Os trabalhos estão disponívei­s no site da iniciativa.

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