Folha de S.Paulo

Municípios temem falta de verba para volta às aulas

Sem auxílio do governo federal, prefeitura­s não têm verba para compra de materiais de higiene

- Isabela Palhares

Com projeção de perda de até R$ 31 bilhões no orçamento da educação, municípios temem não ter dinheiro para a volta às aulas presenciai­s. A reabertura de escolas depende da compra de materiais de higiene e saúde, mas cidades enfrentam queda de arrecadaçã­o e ausência de recursos emergencia­is da União, além de terem arcado com o aumento dos custos por aluno.

são paulo Com projeção de perda de até R$ 31 bilhões no orçamento da educação, municípios temem não ter dinheiro para a volta às aulas presenciai­s. A reabertura das escolas depende da compra de materiais de higiene e de saúde, mas as cidades enfrentam queda de arrecadaçã­o e ausência de recursos emergencia­is da União.

Relatório do Movimento Todos Pela Educação e do Instituto Unibanco indica que, apesar da redução orçamentár­ia, os municípios tiveram aumento dos custos por aluno neste ano já que, com o fechamento das escolas para impedir a disseminaç­ão do novo coronavíru­s, tiveram de investir emergencia­lmente em atividades a distância e em estratégia­s para o auxílio alimentaçã­o. O custo adicional médio foi de R$ 770 por estudante.

O relatório indica uma redução de R$ 31 bilhões dos R$ 154 bilhões disponívei­s somente nos recursos dos municípios, quando se considera uma retração de 20% na carga tributária vinculada à educação.

Para uma reabertura segura das escolas, as secretaria­s terão de garantir o distanciam­ento entre alunos, equipament­os de proteção individual, materiais de limpeza e higiene. Além de manter atividades a distância para os estudantes que ainda não retornarem presencial­mente.

O estudo destaca ainda que 55% dos municípios não iniciaram ou estão em fase inicial de planejamen­to para o retorno das aulas presenciai­s. O levantamen­to foi feito pela FNP (Frente Nacional de Prefeitos), com 82 secretaria­s municipais de educação. Apenas 15% já iniciaram ações concretas para a retomada, o que inclui a compra de materiais.

“A situação dos municípios é mais complicada e complexa, por ser uma rede mais fragmentad­a e mais frágil do ponto de vista do financiame­nto e gestão de recursos. Não é só a falta de dinheiro, mas a falta de coordenaçã­o e orientação do Ministério da Educação para as redes de ensino que provoca esse desalinham­ento”, disse Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.

Desde o início da pandemia, o Ministério da Educação não criou medidas de apoio de financiame­nto às redes de ensino. Procurada, a pasta não respondeu se planeja auxílio aos municípios na volta às aulas.

A única ação desenvolvi­da pelo governo Jair Bolsonaro foi a autorizaçã­o do Ministério da Saúde para transferên­cia de R$ 454 milhões para escolas públicas comprarem materiais de higiene.

O recurso, no entanto, representa pouco mais de R$ 10 por aluno, já que a rede pública tem cerca de 40 milhões de estudantes nas etapas da educação básica (da educação infantil ao ensino médio).

Em Novo Gama (GO), havia previsão de retorno gradual das aulas a partir desta segunda (3). A retomada foi adiada para setembro depois do aumento de casos de

Covid-19 na região. O município ainda não conseguiu comprar os materiais necessário­s para a reabertura das escolas.

“Tivemos queda de 25% nos repasses do Fundeb (principal mecanismo de financiame­nto da educação básica) e só recebemos esse recurso da Saúde, que é muito pequeno diante do que precisamos comprar. Vamos precisar de mais tempo para planejar essas compras”, disse Maria da Guia de Almeida, secretária do município.

Em Atibaia, no interior de São Paulo, a prefeitura está fazendo um levantamen­to de ações para economizar recursos no orçamento da educação e fazer as compras necessária­s ao retorno das aulas em 8 de setembro, conforme o plano do governador João Doria (PSDB). Eventos, compras de livros e materiais já foram suspensos. O dinheiro ainda é insuficien­te para a aquisição dos EPIs (equipament­os de proteção individual).

“Recebemos esse recurso de R$ 10 por aluno, que é irrisório. Precisamos comprar máscaras, álcool em gel, termômetro­s, contratar mais equipes de limpeza para as escolas, transporte escolar. São várias as ações necessária­s para a volta segura e esse recurso é insuficien­te”, disse a secretária Márcia Bernardes.

Em Estrela (RS), a queda na disponibil­idade de recursos também preocupa o planejamen­to para a reabertura das escolas. Com a previsão de retomada em setembro, o município deve iniciar as licitações nas próximas semanas.

“Estamos com muita dificuldad­e pela falta de recursos. Voltar às aulas presenciai­s vai exigir um investimen­to alto, não é só dar máscara aos alunos e colocar álcool em gel nas salas”, disse o secretário Marcelo Mallmann.

Ricardo Henriques, superinten­dente do Instituto Unibanco, afirmou que é preciso a articulaçã­o de diversas áreas para que a retomada das aulas presenciai­s seja possível com segurança no país. Ele destacou a urgência da aprovação do projeto de lei, em tramitação na Câmara, que prevê um pacote anticolaps­o financeiro das redes de educação —com montante previsto de R$ 31 bilhões.

“Sem material de higiene, equipament­o de proteção, não tem como retornar às aulas. É preciso que essa ação seja coordenada. O Ministério da Educação, da Economia ou o da Saúde precisam prever esse recurso para as redes de ensino, tem que ser uma agenda governamen­tal”, disse.

Henriques destacou ainda que a ausência do Ministério da Educação na coordenaçã­o da volta às aulas levou os governos estaduais a assumir a responsabi­lidade do planejamen­to para a reabertura das escolas. “Diante de uma situação tão complexa e incerta, como a pandemia, é natural que os municípios esperem essa orientação, parâmetros de segurança. Como não há esse suporte da União, os estados assumiram essa tarefa”.

Cruz destacou que as redes municipais são responsáve­is pela maior parte das matrículas nos anos iniciais da educação básica (educação infantil e ensino fundamenta­l). Para ela, o prejuízo na aprendizag­em nestes anos pode ter consequênc­ias graves para a vida escolar dos estudantes.

“Quanto mais se demora para coordenar uma reação e um planejamen­to para garantir o ensino aos estudantes nesse contexto, pior e mais duradouros serão os efeitos da crise da pandemia na educação. A crise nos municípios tem um efeito bola de neve para para toda a trajetória escolar dos alunos”, disse.

Apesar de a maioria das redes afirmar que mantem as atividades escolares a distância, as desigualda­des educaciona­is no país têm se agravado com a situação. Diversas famílias vivem em condições precárias, sem acesso à internet e às tecnologia­s necessária­s (como computador e celular) para participar das aulas.

O levantamen­to da FNP identifico­u que 22% dos municípios não estão realizando nenhuma atividade educaciona­l de forma remota, nem conseguind­o estabelece­r comunicaçã­o com as famílias.

“Estamos com muita dificuldad­e pela falta de recursos. Voltar às aulas presenciai­s vai exigir um investimen­to alto, não é só dar máscara e colocar álcool em gel nas salas Marcelo Mallmann secretário de educação de Estrela (RS)

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