Brasil teve taxa de contágio maior do que Itália e França
Dados divulgados na Nature mostram que transmissão no país foi de até 3 pessoas para cada caso confirmado
Estudo publicado na revista Nature Human Behaviour apontou que a taxa de contágio (R0) no Brasil nos primeiros três meses da pandemia foi de 3, número ligeiramente maior do que os de países como França (2,5) e Itália (2,5).
são paulo Um estudo publicado na última sexta (31) na revista Nature Human Behaviour apontou que a taxa de contágio (R0) do Sars-CoV-2 no Brasil nos primeiros três meses da pandemia foi de 3, ou seja, cada pessoa infectada contaminava outras três.
Essa taxa, segundo os autores, foi ligeiramente maior do que a encontrada em outros países severamente afetados pela pandemia, como Espanha (2,6), França (2,5), Reino Unido (2,6) e Itália (2,5).
Nos países europeus, as medidas de contenção e isolamento foram bem-sucedidas em achatar a taxa de incidência e diminuir o R0 para abaixo de 1, enquanto no Brasil a curva de incidência de casos diários continuou a subir.
Além disso, o avanço da pandemia foi dos grandes centros em direção às cidades menores, com os quatro principais epicentros, representando 49,2% dos casos e 61,5% do total de óbitos, sendo São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Amazonas.
Os dados são resultado do primeiro grande estudo epidemiológico de Covid-19, realizado por cientistas do Centro de Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde, na sigla inglês), parceria da Universidade de São Paulo com a Universidade de Oxford, entre outras instituições, e recebeu apoio da Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) e de agências internacionais.
Os pesquisadores analisaram 514.200 casos confirmados de Covid-19 retirados do Portal Covid-19 do Ministério da Saúde desde o primeiro infectado reportado, em 26 de fevereiro, até 31 de maio, divididos em 4.196 municípios, correspondendo a 75,3% do total de municípios no país.
Virologista e principal autor do estudo, William Marciel de Souza realiza sua pesquisa de pós-doutorado em conjunto na Universidade de Oxford e na USP. Ele explica que a alta incidência de casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no país neste ano em comparação com anos anteriores é a principal ferramenta para avaliar a evolução e disseminação da pandemia no país.
Segundo ele, os casos de SRAG sem agente etiológico definido reportados no SivepGripe aumentaram 8,5 vezes em 2020. “Esse aumento foi desproporcional comparado aos outros anos, o que possivelmente indica que ocorre diagnóstico dos casos abaixo do esperado —e não subnotificação— devido à falta de insumos laboratoriais”.
Para o pesquisador, a vigilância no sistema do ministério é bem ativa e é pouco provável que o vírus estivesse circulando de maneira silenciosa no país antes do primeiro caso notificado.
O país falhou em entregar os 46 milhões de testes prometidos. Sem testes RT-PCR, considerados padrão-ouro para a detecção do vírus, o diagnóstico laboratorial de Covid-19 não pode ser completado, embora outros métodos, como a avaliação clínica do paciente, podem servir para inserir um novo caso de SRAG tanto no e-SUS VE (casos leves) quanto no SivepGripe (internações e óbitos).
Avaliando os casos de Covid-19 resultantes em internações ou óbitos (67.180 casos reportados no Sivep-Gripe), os cientistas encontraram que a média de idade dos pacientes internados foi de 59 anos, e os homens representaram mais de 57% do total de casos e 59% dos óbitos.
Em relação aos óbitos, idade igual ou superior a 50 anos representou 85% dos casos.
As comorbidades mais frequentes nos hospitalizados com Covid-19 foram doenças cardiovasculares (66,5%) e diabetes (54,5%). Cerca de 84% dos casos reportados no Sivep-Gripe apresentavam pelo menos uma comorbidade.
“É importante ressaltar que mais de 90% dos casos reportados no Sivep-Gripe referem-se a casos graves ou que foram hospitalizados. O SarsCoV-2 pode causar sintomas parecidos ao de um resfriado, mas numa parcela [da população] causa doença mais grave, a Covid-19, então esses dados são de uma fração da população que evoluiu para casos mais graves”, diz Souza.
Além disso, havia a suspeita de correlação entre renda per capita elevada e maior incidência de casos confirmados de Covid-19 por diagnóstico RT-PCR, associados ao acesso de uma minoria da população a laboratórios particulares, em comparação com a dificuldade e escassez do serviço de saúde em áreas cuja renda per capita é menor.
Para testar a hipótese, os autores avaliaram informações de renda per capita na região metropolitana de São Paulo e casos de SRAG em relação aos casos confirmados de Covid, com base no endereço domiciliar de cada caso reportado.
O teste estatístico mostrou associação entre o diagnóstico de Sars-CoV-2 e renda per capita, sugerindo peso do fator socioeconômico na confirmação de casos de Covid relativo ao acesso a diagnósticos.
A região central da cidade de São Paulo concentrou maior incidência de diagnósticos confirmados de Covid-19 nas primeiras semanas epidemiológicas ao mesmo tempo que apresentou renda per capita acima de R$1.150 mensais, enquanto houve maior densidade de casos de SRAG sem etiologia definida nas regiões do extremo sul, sudoeste e nordeste da região metropolitana, que têm renda per capita inferior a R$ 450 por mês.
Essa discrepância diminuiu conforme as semanas epidemiológicas avançaram. “Isso foi um reflexo do maior acesso à população aos testes diagnósticos na região metropolitana de São Paulo, não indicando, portanto, um salto na incidência da Covid-19 nessas áreas”, afirma de Souza.
As principais dificuldades na pesquisa foram a falta de centralização e padronização dos dados divulgados pelo Ministério da Saúde.
Primeiro por uma própria inconsistência da base de dados: cerca de um mês antes do primeiro caso reportado de Covid no país, o ministério havia criado um portal para notificar todos os casos —leves, moderados e graves— da doença chamado de REDCap. Esse portal foi usado até 27 de março, quando foi encerrado.
A partir daí, o governo usou dois sistemas distintos: o e-SUS VE, para notificação de todos os casos leves de maneira agregada —isto é, sem informações detalhadas dos infectados—, e o Sivep-Gr.
Como conclusão, o estudo diz ser o primeiro a avaliar e contextualizar de maneira sistemática a pandemia no país, sendo ainda preciso aumentar a capacidade de diagnóstico para acompanhar a transmissão do Sars-CoV-2.
Até agora, dizem os autores, a mitigação, e não supressão da pandemia, foi alcançada, e isso levou a número elevado de mortes que revela sistemas de saúde aquém do esperado.
“É importante ressaltar que mais de 90% dos casos reportados no Sivep-Gripe referem-se a casos graves ou que foram hospitalizados. O Sars-CoV-2 pode causar sintomas parecidos ao de um resfriado, mas numa parcela [da população] causa doença mais grave, a Covid-19, então esses dados são de uma fração da população que evoluiu para casos mais graves William Marciel de Souza virologista e principal autor do estudo