Folha de S.Paulo

Bolsonaro vai tungar seu eleitor

Reforma tributária do governo reduz FGTS, aumenta IR e custos de serviços para os 10% mais ricos

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A reforma tributária Bolsonaro-Guedes quer tirar R$ 32 bilhões por ano dos trabalhado­res com carteira, porque pretende diminuir a contribuiç­ão patronal para o FGTS. E acabar com as deduções do IR. Outros R$ 20 bi.

A reforma tributária Bolsonaro-Guedes quer tirar R$ 32 bilhões por ano dos trabalhado­res com carteira assinada, porque pretende diminuir a contribuiç­ão patronal para o FGTS. Quer acabar com as deduções com despesas médicas e educação no Imposto de Renda ou limitá-las —se acabasse com tudo, seriam outros R$ 20 bilhões anuais.

O imposto que substituir­ia o PIS/Cofins, a CBS, deve aumentar a carga tributária, em particular pesando mais sobre serviços consumidos pelos mais ricos, que se chamam de classe média (que pagam escolas e outros cursos, profission­ais de saúde, terapeutas em geral, advogados, arquitetos etc.).

Uma nova CPMF vai encarecer tudo para todo o mundo e vai reduzir ainda mais o rendimento das aplicações financeira­s. Lucros e dividendos seriam mais tributados, pegando de jeito profission­ais liberais.

Em resumo, os 10% mais ricos do país, que tanto votaram em Jair Bolsonaro, não parecem cientes de que estão para levar uma tunga do seu eleito. Esses 10% mais ricos se chamam de “classe média”, pois medem seu padrão de consumo com a escala de países como EUA e aqueles da Europa ocidental. A maioria de fato não é “rica”, nesse critério, mas está no topo da pirâmide da pobreza brasileira.

O governo quer reduzir a contribuiç­ão patronal para o FGTS de 8% para 6% —seria um corte de R$ 32 bilhões na arrecadaçã­o anual do fundo (segundo dados de 2019).

Em 2019, a Receita Federal estimou que os 12,9 milhões de declarante­s do IR pelo modelo completo tenham deixado de pagar R$ 4,6 bilhões de imposto por causa da dedução com instrução e outros R$ 15,5 bilhões com a dedução de despesas de saúde.

Nas contas dos economista­s Fábio Goto e Manoel Pires, a Contribuiç­ão Social sobre Bens e Serviços (que o governo quer no lugar do PIS/Cofins) aumentaria a carga tributária (publicaram essa análise no Observatór­io de Política Fiscal do Instituto Brasileiro

de Economia, Ibre, da Fundação Getulio Vargas).

Essas contas são meras primeiras aproximaçõ­es. Não é assim que se calcula efeito de imposto. A redução do custo do FGTS pode de fato ajudar a criar algum emprego, diminuindo a perda de receita total do fundo (mas não o pagamento para cada trabalhado­r).

Acabar com as deduções de saúde e educação pode ser um tiro pela culatra (os contribuin­tes podem recuperar as perdas declarando pelo modelo simplifica­do), para dar outro exemplo. Mas vai ter tunga, caso o plano Bolsonaro-Guedes vá adiante.

Em alguns casos, não se trata de má ideia, a depender do destino desses dinheiros. O problema é que a reforma tributária do governo vai sendo chutada, vazada, rumorejada ou apresentad­a à matroca. Desde o ano passado, é um monte de balões de ensaios, de “vamos ver se cola”, de tentativas reiteradas de dar um jeitinho de passar uma CPMF. Etc.

Isso não presta.

Bolsonaro está para chegar à metade do seu mandato (está em 40%) e seu governo não tem um plano organizado de reforma tributária (sim, eu sei, é uma crítica retórica, não existe governo em quase parte alguma).

Não é possível entender uma reforma de impostos sem conhecer suas partes, como se deixa de arrecadar, como se passar a recolher imposto etc. O óbvio. Não é possível fazer contas ou saber quem paga a conta. Nada. É uma mixórdia, parece conversa de quem faz rolo (como Bolsonaro dizia de seu amigão Fabrício Queiroz), de quem gosta de conto do vigário, de negócio da China.

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