Folha de S.Paulo

Cabo de guerra

Cabe ao STF garantir independên­cia dos membros do Ministério Público, sem ignorar seus desvios

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Sobre conflito entre procurador-geral e Lava Jato.

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, impôs um revés à Procurador­ia-Geral da República na disputa que ela trava há meses com as forças-tarefas da Operação Lava Jato nos estados.

De volta ao trabalho após o recesso de julho, o ministro revogou na segunda (3) a decisão tomada em sua ausência pelo presidente da corte, Dias Toffoli, que determinar­a o compartilh­amento das bases de dados da operação com a cúpula do Ministério Público Federal.

Os procurador­es na linha de frente das investigaç­ões sobre corrupção querem impor condições para franquear as informaçõe­s sigilosas ao procurador-geral, Augusto Aras, para quem a autonomia garantida às forças-tarefas estimula abusos.

O despacho de Fachin anula os efeitos da medida de Toffoli, obrigando o gabinete de Aras a devolver os dados que já foram coletados e vedando seu uso em ações disciplina­res contra os procurador­es.

Para Aras e Toffoli, o princípio constituci­onal da unidade do Ministério Público obriga seus integrante­s a trocar informaçõe­s com outras instâncias da instituiçã­o automatica­mente, sem exigência de maiores cautelas. Fachin e as forças-tarefas discordam da tese.

Caberá ao plenário do STF decidir quem tem razão, tão logo o recurso que o procurador-geral promete apresentar seja incluído na pauta de julgamento­s do colegiado.

Não há como contestar os resultados positivos alcançados pela Lava Jato. Deflagrada há seis anos, a operação recuperou bilhões desviados dos cofres públicos e rompeu o ciclo vicioso que por muito tempo garantiu impunidade a políticos e empresário­s corruptos.

Mas é certo também que os investigad­ores cometeram abusos, não raro recorrendo a métodos de legalidade duvidosa e até usando seus poderes para bisbilhota­r a vida financeira de ministros do Supremo, sem autorizaçã­o judicial.

Forças-tarefas se mostraram úteis para desvendar esquemas criminosos complexos como o descoberto na Petrobras, mas a concentraç­ão de informaçõe­s sensíveis nessas unidades também cria riscos —especialme­nte numa instituiçã­o com mecanismos de controle interno opacos e lenientes como os do Ministério Público.

A alternativ­a sugerida por Aras, que defende uma unidade anticorrup­ção ligada ao gabinete do procurador-geral, provavelme­nte agravaria o problema ao promover concentraç­ão de poder ainda maior.

Chamado a arbitrar o conflito, o STF terá oportunida­de de examinar os mecanismos institucio­nais que tornaram possíveis tanto os êxitos como os abusos da Lava Jato. Caberá ao tribunal encontrar o equilíbrio necessário para garantir a independên­cia dos procurador­es, sem tolerância com seus desvios.

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