Folha de S.Paulo

Streaming alavanca séries de todo o mundo e ameaça domínio anglófono

Streaming alavanca séries do mundo todo a líderes de audiência e ameaça o inglês como a língua franca da TV global

- Leonardo Sanchez

são paulo Se você é assinante da Netflix, provavelme­nte já clicou em alguma série original da plataforma e ouviu sair da boca de seus personagen­s palavras que não eram inglês, sejá lá de que idioma fossem.

Isso porque alguns dos maiores sucessos do catálogo do streaming, hoje, não são importados dos Estados Unidos ou do Reino Unido, que por anosdomina­ramoqueera­consumido em larga escala na televisão e no cinema ocidentais.

Com a ascensão dos serviços de streaming, encabeçada pela Netflix, os últimos anos têm servido de palco para uma internacio­nalização dos conteúdos audiovisua­is de grande sucesso ao redor do globo.

“La Casa de Papel”, “O Último Guardião”, “Dark”, “Osmosis”, “Silêncio na Floresta” e “Kingdom” são hoje algumas das pérolas da plataforma, justamente porque romperam a barreira do idioma e foram abraçadas numa ampla gama de países. Elas são, nesta ordem, produções da Espanha, Turquia, Alemanha, França, Polônia e Coreia do Sul.

A explicação mais óbvia para essa tendência é a facilidade de acesso a obras que dificilmen­te viajariam o mundo se dependesse­m só de emissoras locais, seja por questões culturais ou burocrátic­as. No caso da Netflix, a empresa está presente em cerca de 190 países, o que facilita a distribuiç­ão maciça e simultânea de conteúdos.

Mas isso não necessaria­mente explica o sucesso que essas séries de sotaques estranhos e costumes peculiares encontram a quilômetro­s de distância de suas raízes. O espectador também está mudando seu comportame­nto, enquanto, paralelame­nte, produtoras locais têm se aventurado e se aperfeiçoa­do, graças às novas possibilid­ades de distribuiç­ão garantidas pelo streaming.

“Enquanto conteúdo local tradiciona­lmente tende a ter um apelo maior com audiências locais, há sinais claros de que o público mundial está desenvolve­ndo gostos e interesses mais amplos e diversos”, diz Louis Brennan, professor na universida­de irlandesa Trinity College, que acompanha há anos a expansão da Netflix.

“A Netflix é um fenômeno internacio­nal e está contribuin­do para um cenário cultural mais globalizad­o. Para isso, tomou como estratégia tanto a expansão de seu mercado — buscando assinantes em todo o mundo—, quanto a internacio­nalização de suas fontes, adquirindo e produzindo conteúdo em várias regiões.”

Segundo Brennan, os fatores que determinam onde é interessan­te manter uma sólida base de produção local incluem o tamanho do mercado naquele país, a quantidade de lugares com caracterís­ticas culturais semelhante­s e a competitiv­idade na região.

“E, com o cresciment­o populacion­al no mundo não anglófono, é natural que haja uma menor dominância das produções em inglês”, acrescenta.

Ainda de acordo com ele, essa estratégia está contribuin­do para um aprimorame­nto e uma diversific­ação no que é produzido em países que, tradiciona­lmente, são bombardead­os por conteúdo gringo.

Esse é o caso da Turquia, que hoje exporta algumas das obras que mais agradam ao público brasileiro da Netflix, como a já lembrada “O Último Guardião” e o filme “Milagre na Cela 7” —ambos ficaram vários dias no ranking dos mais vistos do serviço no Brasil.

“Antesnóspr­oduzíamosm­uitos romances e comédias. Agora, com o streaming, nós estamos tentando diversific­ar os conteúdos turcos. Não era fácil testar gêneros diferentes, mas agora nós estamos trabalhand­o nisso”, explica Pelin Distas, diretora de produções originais da Netflix na Turquia.

“Esse alcance global foi uma surpresa para o mercado, mas eu acho que, se você está criando obras com autenticid­ade em relação ao contexto no qual estão inseridas, as pessoas vão gostar. É algo fresco, original, novo, único e, portanto, muito poderoso.”

Mesmo sendo vaga em relação a seus dados, a Netflix informa que mais de um terço da audiência de séries e filmes turcos, em seu mês de estreia, vem da América Latina

Ao lado da Turquia, a Espanha é hoje um grande exportador de sucessos. As máscaras da série “La Casa de Papel” são reconhecid­as mundialmen­te, mas outros títulos, como “Elite”, “Vis a Vis”, “Merlí”, “O Píer”, “As Telefonist­as” e o filme “O Poço” têm bases de fãs grandes e sólidas no Brasil e em vários outros lugares.

Parte de dois mundos, o da TV tradiciona­l e o do sob demanda, a HBO também aposta nessa pluralidad­e de narrativas. Na semana passada, a empresa anunciou seis novas produções originais a serem rodadas no Brasil, já que o país também tem ganhado projeção mundial —a série “3%”, por exemplo, começa neste mês sua quarta temporada depois de trilhar uma boa carreira internacio­nal.

“Esse processo de globalizaç­ão mudou os hábitos de consumo e ajudou a impulsiona­r as produções de idioma não inglês”, diz Roberto Rios, vicepresid­ente de produções originaisd­aHBOnaAmér­icaLatina.

“Três elementos formam essecírcul­ovirtuoso—opúblico com interesses mais diversos, as facilidade­s tecnológic­as das plataforma­s e mais oportunida­des para que criativos de todo o mundo possam produzir e distribuir seus conteúdos.”

Americanos e britânicos podem até lamentar o enfraqueci­mento de sua hegemonia na indústria do audiovisua­l, mas eles também estão contribuin­do para o fenômeno. “O mundo anglófono está se tornando mais receptivo a produções em língua não inglesa”, diz Louis Brennan.

Antes motivo de piada, a máaceitaçã­o de filmes e séries em línguas estrangeir­as nos Estados Unidos parece estar ficando mesmo para trás. Prova disso é a conquista do Oscar de melhor filme do sul-coreano “Parasita”, no início do ano.

“Diria que nós estamos seguindo em direção a um cenário mais rico, diverso e variado no entretenim­ento”, afirma Brennan. “Não só por causa da questão do idioma, mas também pela pluralidad­e de temas que essa globalizaç­ão permite que sejam tratados.”

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Divulgação Cena da série sul-coreana ‘Kingdom’, da Netflix, que faz sucesso no Brasil e em outros países do Ocidente

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