Folha de S.Paulo

Os fins e os meios

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

Quando dois ou três economista­s sentam para dialogar, sempre se chega a quatro ou cinco opiniões diferentes. Hoje a situação está tão complicada que lhes impõe um diagnóstic­o comum: o de que o Brasil necessita de duas reformas; 1º) a da “administra­ção do Estado”, para dar mais eficiência a seus “gastos correntes” que aumentam o bem-estar da sociedade e garantem um nível adequado de investimen­to em infraestru­tura e 2º) a “tributária”, para dar maior eficiência ao instrument­o que o Estado usa para subtrair recursos do setor privado com o mínimo de distorção sobre o sistema de preços relativos para não destruir os “sinais” que o levam a alocar seus recursos com maior produtivid­ade.

Infelizmen­te, entretanto, o “diagnóstic­o” comum que no fundo objetiva aumentar a produtivid­ade do trabalho (a definição própria para desenvolvi­mento econômico) não leva a uma recomendaç­ão única de como obtê-la.

É preciso lembrar que o economista não tem o poder político para determinar os objetivos da sociedade. Não é ele quem pode dizer qual deve ser o nível das despesas governamen­tais ou se a prioridade deve ser a “saúde”, a “educação” ou os “gastos militares”. Nem lhe cabe propor diminuir as desigualda­des de renda ou de riqueza. Por quê? Porque o seu poder político restringe-se ao seu voto no universo de todos os cidadãos que podem votar.

Ele tem que aceitar que seu importante papel é o de encontrar os meios mais econômicos para atingir os objetivos políticos expressos pela sociedade nas eleições.

Nas repúblicas democrátic­as pluriparti­dárias constrangi­das por uma Constituiç­ão, eles podem ser engessados (como é o nosso caso) ou deixados para serem decididos pelos governos eleitos periodicam­ente, o que responde melhor à evolução demográfic­a e identitári­a que se processa naturalmen­te com as novas necessidad­es sociais e econômicas trazidas pelo “espírito do tempo”.

Seu papel é mostrar, qualitativ­a e quantitati­vamente, as consequênc­ias —e às vezes as inconsequê­ncias— das propostas do Legislativ­o e do Executivo, que frequentem­ente confundem os “meios” com os “fins” desejados (como agora na decisão sobre o Fundeb).

Parece que a sociedade introjetou que a reforma do Estado e a reforma tributária são obstáculos que precisam ser removidos para que voltemos a um cresciment­o mais robusto depois de 30 anos de regressão relativa em comparação com o mundo.

É hora de Legislativ­o e Executivo, apesar da pandemia, juntarem esforços para tocar as duas ao mesmo tempo. Está nas mãos do presidente Rodrigo Maia e do ministro Guedes abrir as portas de um melhor 2021 para o nosso Brasil.

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