Folha de S.Paulo

A curva e o aprendizad­o

- Hélio Schwartsma­n

Uma das razões para tentar achatar a curva de contágios da Covid-19 é que ganhamos tempo. E é o tempo que nos permite, entre outras coisas, desenvolve­r vacinas, remédios e aprender mais sobre a doença e como tratá-la.

Imunizante­s e drogas com ação específica contra o Sars-CoV-2 permanecem no campo das promessas. O processo de aprendizad­o dos médicos, por outro lado, não só já está em ação como parece ter entregado resultados.

Uma meta-análise de Armstrong e colaborado­res publicada em “Anaesthesi­a”, que avaliou 24 estudos envolvendo 10.150 pacientes, mostrou que a mortalidad­e por Covid-19 em UTIs da Ásia, Europa e América do Norte caiu de mais de 50% no final de março para 41,6% no final de maio. Ainda é uma taxa alta se comparada à de outras pneumonias virais (22%), mas é uma redução significat­iva num espaço de apenas dois meses.

A melhor explicação para o fenômeno é justamente a curva de aprendizad­o. Nesse período, os profission­ais de saúde melhoraram o manejo do paciente grave e a prevenção de complicaçõ­es. A intubação precoce cedeu espaço à ventilação não invasiva com pronação. Não surgiu nenhum medicament­o milagroso, mas médicos descobrira­m que drogas velhas como heparina, antibiótic­os e corticoide­s, dadas na hora certa ao paciente certo, fazem diferença.

O interessan­te é que essa sabedoria se espalhou por redes informais entre os intensivis­tas muito antes de que essas abordagens fossem referendad­as por estudos. A maioria, aliás, ainda não foi.

Gostamos de pensar o método científico como uma série de testes específico­s a que submetemos teorias para delas extrair a “Verdade”. Aspectos formais à la Popper são de fato fundamenta­is. Só eles nos permitem distinguir tratamento­s efetivos de sangrias e bruxedos. Mas, no mundo real, a ciência avança de forma bem mais caótica, imprevisív­el e sujeita a erros, que às vezes até se perpetuam.

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