Folha de S.Paulo

‘O meu particular’

- Bruno Boghossian helio@uol.com.br

brasília Salvar a própria família e blindar aliados foi só um capítulo da história. Depois de interferir em órgãos de investigaç­ão para evitar problemas para seu grupo, o governo Jair Bolsonaro avançou sobre a estrutura oficial de inteligênc­ia do país em busca de benefícios políticos.

Com desembaraç­o, o presidente e seus auxiliares parecem dispostos a explorar esse aparato de informaçõe­s para servir aos interesses específico­s do Palácio do Planalto. Nas últimas semanas, o governo usou essas ferramenta­s para monitorar adversário­s e ampliar os poderes de vigilância desses órgãos.

O dossiê sigiloso sobre integrante­s de organizaçõ­es críticas a Bolsonaro, elaborado dentro do Ministério da Justiça, é uma amostra grátis desse trabalho. Em junho, o governo decidiu listar servidores da área de segurança que eram identifica­dos como participan­tes de um “movimento antifascis­ta” e enviou seus nomes para órgãos de investigaç­ão, como revelou o repórter Rubens Valente.

Ninguém quis explicar por que a estrutura estatal foi utilizada para produzir algo que pode ser classifica­do como um catálogo de perseguiçã­o. O ministro André Mendonça tentou se esquivar da responsabi­lidade. Se ele não sabia da confecção do documento, perdeu as condições de permanecer no posto. Se sabia, deve responder fora do cargo.

Bolsonaro demonstra apetite por um aparelho de informaçõe­s que funcione a seu favor. Na semana passada, ele editou um decreto que mudou a estrutura da Abin e criou um Centro de Inteligênc­ia Nacional para executar ações “voltadas ao enfrentame­nto de ameaças à segurança e à estabilida­de do Estado e da sociedade”. A descrição é vaga o suficiente para dar superpoder­es ao órgão.

Na famosa reunião ministeria­l de 22 de abril, Bolsonaro reclamou do aparato de informaçõe­s do governo depois de citar “pessoas aqui de Brasília” que se reuniam “de madrugada, pra lá, pra cá”. Ele disse contar com um sistema próprio: “O meu particular funciona”. Aos poucos, a estrutura oficial pode se tornar particular.

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