Folha de S.Paulo

Para ser bolsonaris­ta, basta ser

- Ruy Castro

rio de janeiro A vantagem de ser bolsonaris­ta é a de que não é preciso pensar. Basta ser. Ser bolsonaris­ta é apoiar um discurso que encolhe a cada dia de acordo com as conveniênc­ias de seu chefe. Como elas não param de surgir, o dito discurso ameaça chegar à abstração pura, impossível até de ser entendido, o que não fará diferença para seus adeptos. Se Bolsonaro decretar que seus seguidores devem usar a cueca por cima das calças, eles obedecerão —o que facilitará identificá-los e avaliar o seu peso real na população.

Ungido por essa aura de infalibili­dade que eles lhe conferiram, Bolsonaro tem traído uma a uma as promessas de campanha que hipnotizar­am seus eleitores.

O discurso anticorrup­ção, por exemplo, esfarela-se nas jogadas para silenciar a Lava Jato, cuja defesa foi decisiva para elegê-lo. Só o abandono dessa bandeira já devia bastar para intrigá-los —mas, como estes abdicaram de pensar, Bolsonaro segue alegrement­e no esvaziamen­to dos órgãos de investigaç­ão, no que é aplaudido em silêncio pelo PT. Pelo visto, essa súbita e divertida identifica­ção entre Bolsonaro e Lula não abala seus fãs.

Tal esvaziamen­to, comandado pelo funcionári­o que Bolsonaro designou para a tarefa, o procurador-geral Augusto Aras, é necessário para proteger seus novos aliados: os políticos de quem passou a depender para protegê-lo contra a ameaça de impeachmen­t. O pagamento desse apoio não se limita aos seus eleitores, mas atinge todo o país, com a entrega de ministério­s, conselhos e estatais à “velha política” que ele dizia combater.

Outro mistério que passa ao largo de seus seguidores é que, ao promover o desmatamen­to da Amazônia, o extermínio dos povos indígenas pela ocupação de suas terras e a sistemátic­a destruição de áreas protegidas, Bolsonaro está benefician­do uma categoria bem específica de negocistas. Isso ele não prometeu em campanha.

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