Folha de S.Paulo

Qual é o bom e o mau ladrão?

Não há diferença, seja ele de direita ou de esquerda, conservado­r ou liberal

- Major Olimpio

O errado é errado mesmo que todo mundo esteja fazendo. O certo é certo mesmo que ninguém esteja fazendo. Essa máxima vem de berço. Com muita garra, meus pais me presentear­am com esse legado que carrego na minha vida.

Com esse pilar, aprendi na vida que, para construir uma carreira de sucesso, precisamos lembrar dos valores que nos formaram para que nos orgulhemos quando chegarmos ao topo.

Hoje, observo perplexo que muitas vezes as coisas ao nosso redor acontecem da maneira errada, mas cabe a nós termos a índole correta para fazer e respeitar o que é certo.

Um pandemônio acontece no âmbito político do Brasil. É como se um furacão devastasse tudo o que aprendemos sobre ética. É necessário discutirmo­s essa questão, pois estamos indo num caminho que o cultivo do “fazer errado” parece que está certo. E isso, um dia, pode se tornar irreversív­el.

A corrupção impregnada na nossa política, infelizmen­te, demonstra esse cenário nefasto. O famoso “roubou, mas fez” me faz indagar: estamos num caminho sem volta?

Na mesma velocidade que toda essa ação maléfica acontece ao nosso redor, estamos vendo as coisas acontecere­m sem o menor sinal de uma possível solução para mudar a realidade.

Exemplo disso é o surgimento de casos e mais casos de corrupção, como mensalão, petrolão, superfatur­amento na área da saúde em plena pandemia e a rachadinha.

Uma disputa entre o bem e o mal vem se formando. E, no Brasil, estamos nos acostumand­o com o lado longe da luz e da clareza da verdade. Ou seja, um cultivo pernicioso.

Vejo noticiar que a modalidade ilegal apelidada de “rachadinha” é uma prática normal. Ora, é a prática da corrupção sendo colocada como normal na vida do brasileiro.

E ao nosso redor vemos o resultado de tudo isso refletido na população. Parece que no meio de tanta coisa errada acontecend­o junto, nós nos esquecemos do que é certo e do que é errado.

Os conceitos estão se misturando. Respeitar o certo ficou de lado.

O “Sermão do Bom Ladrão”, proferido em 1655 pelo Padre Antônio Vieira, nunca esteve tão atual para ilustrar o cenário nacional.

Ele critica “a arte de roubar”, mostrando ao povo português como funcionava a roubalheir­a no Brasil Colônia. De forma indignada, compara o pequeno ladrão que rouba para comer ao grande ladrão que rouba impérios.

“Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigos: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.

O religioso mostra o seu profundo entendimen­to sobre os problemas do Brasil. Uma crítica àqueles que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamen­te. Um mundo obscuro de riquezas ilícitas e gestões fraudulent­as.

Levado aos tempos atuais, o sermão nos faz refletir quem rouba reinos e quem rouba para comer.

Vi acenos de que um era pior do que outro quando, pois outrora, o diretor da Petrobras teria roubado R$ 90 milhões —já o filho apenas R$ 2 milhões. Ora, qual é a avaliação do ladrão? Padre Vieira já alertava isso há quase 400 anos.

Devemos ter em mente que não existe diferença de ladrão, seja ele de direita ou de esquerda, tampouco conservado­r ou liberal. Ambos devem ser extintos da nossa sociedade.

Vamos voltar a lembrar o que são princípios para nós e quais são, verdadeira­mente, esses valores que nos movem.

Vamos criar em nossas mentes que, quanto mais as coisas parecem estar erradas, aí é que precisamos ser responsáve­is em trabalharm­os como luz diante dessa escuridão.

Um país só muda de verdade quando o seu povo muda. E, para mudar, é fundamenta­l mudarmos em todas as áreas de nossas vidas.

Neste momento tão conturbado que estamos vivendo no Brasil, no debate do certo e errado parece ser cada vez mais fácil cometer o errado.

Essa é a grande questão quando se fala em real mudança, seja para nosso país ou para nossa vida.

Não devemos cultivar a arte de vencer apenas por vencer. Devemos deixar um legado promissor, pois ética, valores e princípios não se compram, nem mesmo se negociam.

Um pandemônio acontece no âmbito político do Brasil. É como se um furacão devastasse tudo o que aprendemos sobre ética. (...) O “Sermão do Bom Ladrão”, proferido em 1655 pelo Padre Antônio Vieira, nunca esteve tão atual para ilustrar o cenário nacional

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