Folha de S.Paulo

Pandemia, fome e desmatamen­to

Fenômenos que pareciam isolados agora se conectam com a Covid-19

- Luís Fernando Guedes Pinto e Tasso Azevedo

Depois de anos em ascensão, o desmatamen­to da Amazônia caiu de 27 mil km2 para 4,5 mil km2 entre 2004 e 2012, queda de 84% em oito anos. A partir de 2015 entrou em alta e chegou a 10,1 mil km2 em 2019, alta de 100% em cinco anos. As projeções indicam que em 2020 será maior.

A taxa de 15% de brasileiro­s passando fome em 1990 teve pequena redução até o início dos anos 2000 e passou por uma abrupta queda até 2014, quando saímos do mapa mundial da fome. Reduzimos em 82% em pouco mais de dez anos, chegando a 1,7% da população. Como o desmatamen­to, a população com fome entrou em tendência de alta desde 2016.

As curvas da evolução da pobreza, da fome e do desmatamen­to no Brasil tem o mesmo padrão: grande queda até 2012-14 e ascensão nos anos seguintes. E fenômenos que pareciam isolados agora se conectam com a pandemia de Covid-19: fazem parte do sistema agroalimen­tar, onde natureza, agricultur­a, alimento e saúde se interligam.

Sabemos que o desmatamen­to acentua as mudanças climáticas, que ameaça a produção de alimentos. Que a perda da biodiversi­dade aumenta o risco de pandemias e que 25% das doenças infecciosa­s e 50% das zoonóticas que contaminar­am os humanos estavam associadas à agricultur­a. Além disso, os alimentos industrial­izados causam a morte silenciosa de outros milhões por doenças crônicas. A fumaça do desmatamen­to provoca doenças respiratór­ias nas cidades.

Não faltam exemplos do nexo virtuoso ou predatório do sistema “floresta-agricultur­a-comida-saúde”. As conquistas da redução da fome e do desmatamen­to foram resultado de um conjunto de políticas públicas articulada­s. Destacam-se o Fome Zero, o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa

Nacional de Alimentaçã­o Escolar, discutidos com a sociedade no extinto Conselho Nacional de Segurança Alimentar. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamen­to na Amazônia Legal aumentou as áreas protegidas e a fiscalizaç­ão, embargou áreas ilegais e liderou a queda do desmatamen­to.

Vale lembrar que neste período a economia cresceu e o Brasil se consolidou como um dos principais produtores de commoditie­s agrícolas do mundo, enquanto fortaleceu a agricultur­a familiar. Não resolvemos os problemas da fome, do desmatamen­to e da desigualda­de, mas pavimentam­os o caminho.

Todo esse acúmulo foi jogado fora com o enfraqueci­mento dessas políticas. A Covid-19 apenas acentua a trajetória perversa em que entramos. E aponta a necessidad­e de políticas integradas para o sistema agroalimen­tar. Na pandemia chegamos ao paradoxo do aumento do desmatamen­to e da fome enquanto estamos perdendo alimentos no campo.

Estamos na rota de voltar ao mapa da fome (acelerado pela Covid-19), bater recordes de desmatamen­to e de emissões de gases de efeito estufa. Também estamos nos afastando de contribuir com os Objetivos de Desenvolvi­mento Sustentáve­l, com o Acordo de Paris e abrindo mão do desenvolvi­mento do nosso país.

Não faltam exemplos do nexo virtuoso ou predatório do sistema “floresta-agricultur­a comida-saúde ”.(...) A Covid-19 apenas acentua a trajetória perversa em que entramos. E aponta a necessidad­e de políticas integradas para o sistema agroalimen­tar

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