Ministros do STF tendem a seguir Fachin, mas com recado à Lava Jato
Para magistrados, decisão de Toffoli sobre compartilhamento de dados é ampla demais, mas volume em mãos das forças não pode ser ignorado
brasília A decisão do ministro Edson Fachin de revogar o compartilhamento de dados da Lava Jato com a PGR (Procuradoria-Geral da República) ganhou força no STF (Supremo Tribunal Federal).
Ministros da corte que já ajudaram a impor derrotas à operação sinalizaram, nos bastidores, que a decisão do presidente Dias Toffoli a favor do acesso aos dados pela PGR foi muito ampla e, hoje, a tendência é que seja mantido o entendimento de Fachin, que derrubou a ordem dada pelo colega em julho.
Integrantes do Supremo, porém, acreditam que não é possível ignorar a informação dada pelo procuradorgeral da República, Augusto Aras, sobre o volume de arquivos mantidos sob a guarda da Lava Jato.
Segundo Aras, desafeto da operação, a força-tarefa em Curitiba dispõe dos dados sigilosos de 38 mil pessoas, além de ter material salvo quase dez vezes maior que o da própria PGR.
Por isso, os integrantes da STF críticos da operação reforçaram o movimento para permitir que a PGR descubra se há irregularidades nos arquivos da força-tarefa.
A cúpula do Congresso, por sua vez, atua a favor da decisão de Toffoli, que, no início do recesso do Judiciário, em 9 de julho, atendeu a pedido da PGR para obrigar as forças-tarefas da operação em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo a compartilharem seus dados.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu isso em entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira (3).
Uma possibilidade aventada nos bastidores do STF é achar um meio-termo e aproveitar o caso para regulamentar melhor o intercâmbio de informações entre membros do Ministério Público.
Nesse caso, porém, o meio processual usado pela PGR para apresentar o pedido ao STF é visto como um empecilho, além de um erro estratégico. Prova disso é que Fachin nem sequer entrou no mérito da discussão ao revogar o despacho de Toffoli.
O ministro apenas argumentou que só caberia reclamação, nome técnico da ação apresentada, em casos em que há clara afronta à decisão do STF.
“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante.”
A maioria dos ministros concordou, de maneira reservada, com a tese de que os casos não tinham uma conexão tão clara para justificar a concessão da liminar.
Assim, a tese é que, para discutir limites da autonomia funcional dos integrantes da carreira e regulamentar compartilhamento de dados sigilosos dentro da própria instituição, o ideal seria ter apresentado ação constitucional.
Na PGR, a ala lavajatista, que é maioria, considerou a decisão de Fachin muito boa e mais bem fundamentada do que a de Toffoli.
Em reservado, integrantes do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), órgão deliberativo presidido por Aras, também consideram reais as chances de ser mantido o entendimento de Fachin.
A tese também é que não existem, nesse caso, os pressupostos legais para procedência de uma reclamação —tipo de recurso apresentado por Aras ao tribunal para acessar os dados da Lava Jato.
Há jurisprudência no sentido de não se admitir uma reclamação como uma espécie de atalho processual para submeter litígios de forma imediata ao crivo da corte.
Assim, os ministros que costumam oscilar em temas que envolvem a Lava Jato ganharam um bom argumento, o que tem facilitado a articulação da ala a favor da operação na corte.
“Todos sempre tiveram de mim o tratamento mais respeitoso possível. Eu não posso dizer também que não tenha tido o tratamento mais respeitoso de todos, embora tenha algumas reservas no que toca a alguns assuntos Augusto Aras procuradorgeral da República, negando a procuradores, nesta terça, que partam dele ataques à Lava Jato
Diante do cenário, Toffoli tem consultado interlocutores para definir o melhor momento para levar o caso a julgamento no plenário. O ministro, porém, não tem muito tempo: em setembro será substituído no comando do Supremo por Luiz Fux, um dos principais defensores da Lava Jato na corte.
A PGR informou que apresentará recurso ao STF. Logo após a decisão de Fachin, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, enviou ofício ao STF em que anexou decisões do então juiz Sergio Moro determinando, a pedido da força-tarefa em Curitiba, o compartilhamento de dados com apurações em curso em Brasília, sob a responsabilidade da PGR.
As decisões são de 2005 e têm sido usadas por Aras como argumento para ter acesso aos dados reunidos pelas forças-tarefas.
Em um dos pedidos enviados a Moro na ocasião, a forçatarefa da Lava Jato listou uma série de investigações específicas e afirmou que tinha reunido “diversos elementos de prova/elementos informativos produzidos em primeira instância que são diretamente correlacionados, extremamente relevantes, pertinentes e essenciais no que se refere às supostas condutas praticadas por autoridades com foro por prerrogativa de função”.
Moro acatou o pedido e destacou que não haveria “óbice” (empecilho) para o compartilhamento de provas colhidas em um processo penal para a instrução de outras investigações ou ações penais —no caso, o compartilhamento de provas colhidas por jurisdição inferior com uma superior.
Com a decisão de Fachin, a PGR não poderá mais usar os elementos colhidos para abrir procedimento disciplinar contra os procuradores, por exemplo. O ministro do STF também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.
A ordem de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providências já tomadas pela PGR, a partir do que havia decidido Toffoli.
Se esse avião afundar ou cair, todos nós caímos juntos. Os ataques à instituição já são muito fortes e não vêm da minha manifestação. Vêm das PECs que já estão postas e não foram postas por mim
Aras tinha enviado integrantes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato nas forças-tarefas de Curitiba, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbio dos dados envolve informações sigilosas.
Aras adota tom conciliador e nega ataques à Lava Jato
O procurador-geral da República, Augusto Aras, negou nesta terça-feira (4) ser autor de ataques à Lava Jato e buscou a conciliação em novo encontro do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal).
Na semana passada, durante sessão do colegiado, Aras bateu boca com subprocuradores após ser cobrado pelas recentes críticas ao trabalho das forças-tarefas da Lava Jato.
O conselho é a instância máxima deliberativa dentro da instituição.
Aras disse que sempre tratou colegas da Procuradoria com respeito e que quer evitar embates desnecessários.
“Todos sempre tiveram de mim o tratamento mais respeitoso possível”, afirmou. “Eu não posso dizer também que não tenha tido o tratamento mais respeitoso de todos, embora tenha algumas reservas no que toca a alguns assuntos.”
No encontro do CSMPF da sexta-feira (31), quatro subprocuradores da República apresentaram carta aberta cobrando Aras pelos ataques que fez à Lava Jato durante uma videoconferência na internet promovida por um grupo de advogados.
O chefe do Ministério Público Federal reagiu dizendo que suas declarações foram baseadas em provas e sugeriu que os autores da carta aberta em defesa da investigação estariam por trás de “fake news” plantadas contra ele e familiares na imprensa.
Aras disse nesta terça que não partiram dele ataques à Lava Jato. Afirmou aos colegas que todos estão no mesmo barco. E depois trocou para avião.
“Se esse avião afundar ou cair, todos nós caímos juntos. Os ataques à instituição já são muito fortes e não vêm da minha manifestação. Vêm das PECs que já estão postas e não foram postas por mim”, afirmou.
O procurador-geral não informou quais propostas de emenda à Constituição podem prejudicar o MPF.
Ele disse também que as questões polêmicas seriam mitigadas se houvesse o costume de se fazer reuniões administrativas antes das sessões de julgamento do CSMPF.
A carta aberta dos subprocuradores-gerais Nicolao Dino, Nívio de Freitas Silva Filho, José Adonis Callou de Sá e Luíza Cristina Frischeinsen foi lida durante a reunião do conselho que discutia a proposta orçamentária do próximo ano.
Eles afirmaram no documento que um Ministério Público “desacreditado, instável e enfraquecido” atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei.
Disseram também que dados relativos a investigações submetidos a cláusula de sigilo só podem ser compartilhados mediante autorização judicial, com devida motivação e se necessário para outras investigações.
“A salvaguarda desse sigilo não se confunde com opacidade ou ‘caixa-preta’”, disseram.
Aras defende o compartilhamento dos dados da Lava Jato com a PGR e usou o termo “caixa de segredos” para se referir à força-tarefa em Curitiba.