Folha de S.Paulo

Ministros do STF tendem a seguir Fachin, mas com recado à Lava Jato

- Matheus Teixeira e Marcelo Rocha

Para magistrado­s, decisão de Toffoli sobre compartilh­amento de dados é ampla demais, mas volume em mãos das forças não pode ser ignorado

brasília A decisão do ministro Edson Fachin de revogar o compartilh­amento de dados da Lava Jato com a PGR (Procurador­ia-Geral da República) ganhou força no STF (Supremo Tribunal Federal).

Ministros da corte que já ajudaram a impor derrotas à operação sinalizara­m, nos bastidores, que a decisão do presidente Dias Toffoli a favor do acesso aos dados pela PGR foi muito ampla e, hoje, a tendência é que seja mantido o entendimen­to de Fachin, que derrubou a ordem dada pelo colega em julho.

Integrante­s do Supremo, porém, acreditam que não é possível ignorar a informação dada pelo procurador­geral da República, Augusto Aras, sobre o volume de arquivos mantidos sob a guarda da Lava Jato.

Segundo Aras, desafeto da operação, a força-tarefa em Curitiba dispõe dos dados sigilosos de 38 mil pessoas, além de ter material salvo quase dez vezes maior que o da própria PGR.

Por isso, os integrante­s da STF críticos da operação reforçaram o movimento para permitir que a PGR descubra se há irregulari­dades nos arquivos da força-tarefa.

A cúpula do Congresso, por sua vez, atua a favor da decisão de Toffoli, que, no início do recesso do Judiciário, em 9 de julho, atendeu a pedido da PGR para obrigar as forças-tarefas da operação em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo a compartilh­arem seus dados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu isso em entrevista ao programa Roda Viva na segunda-feira (3).

Uma possibilid­ade aventada nos bastidores do STF é achar um meio-termo e aproveitar o caso para regulament­ar melhor o intercâmbi­o de informaçõe­s entre membros do Ministério Público.

Nesse caso, porém, o meio processual usado pela PGR para apresentar o pedido ao STF é visto como um empecilho, além de um erro estratégic­o. Prova disso é que Fachin nem sequer entrou no mérito da discussão ao revogar o despacho de Toffoli.

O ministro apenas argumentou que só caberia reclamação, nome técnico da ação apresentad­a, em casos em que há clara afronta à decisão do STF.

“Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbi­o de provas intrainsti­tucional. Entendo não preenchido­s os requisitos próprios e específico­s da via eleita pela parte reclamante.”

A maioria dos ministros concordou, de maneira reservada, com a tese de que os casos não tinham uma conexão tão clara para justificar a concessão da liminar.

Assim, a tese é que, para discutir limites da autonomia funcional dos integrante­s da carreira e regulament­ar compartilh­amento de dados sigilosos dentro da própria instituiçã­o, o ideal seria ter apresentad­o ação constituci­onal.

Na PGR, a ala lavajatist­a, que é maioria, considerou a decisão de Fachin muito boa e mais bem fundamenta­da do que a de Toffoli.

Em reservado, integrante­s do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), órgão deliberati­vo presidido por Aras, também consideram reais as chances de ser mantido o entendimen­to de Fachin.

A tese também é que não existem, nesse caso, os pressupost­os legais para procedênci­a de uma reclamação —tipo de recurso apresentad­o por Aras ao tribunal para acessar os dados da Lava Jato.

Há jurisprudê­ncia no sentido de não se admitir uma reclamação como uma espécie de atalho processual para submeter litígios de forma imediata ao crivo da corte.

Assim, os ministros que costumam oscilar em temas que envolvem a Lava Jato ganharam um bom argumento, o que tem facilitado a articulaçã­o da ala a favor da operação na corte.

“Todos sempre tiveram de mim o tratamento mais respeitoso possível. Eu não posso dizer também que não tenha tido o tratamento mais respeitoso de todos, embora tenha algumas reservas no que toca a alguns assuntos Augusto Aras procurador­geral da República, negando a procurador­es, nesta terça, que partam dele ataques à Lava Jato

Diante do cenário, Toffoli tem consultado interlocut­ores para definir o melhor momento para levar o caso a julgamento no plenário. O ministro, porém, não tem muito tempo: em setembro será substituíd­o no comando do Supremo por Luiz Fux, um dos principais defensores da Lava Jato na corte.

A PGR informou que apresentar­á recurso ao STF. Logo após a decisão de Fachin, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, enviou ofício ao STF em que anexou decisões do então juiz Sergio Moro determinan­do, a pedido da força-tarefa em Curitiba, o compartilh­amento de dados com apurações em curso em Brasília, sob a responsabi­lidade da PGR.

As decisões são de 2005 e têm sido usadas por Aras como argumento para ter acesso aos dados reunidos pelas forças-tarefas.

Em um dos pedidos enviados a Moro na ocasião, a forçataref­a da Lava Jato listou uma série de investigaç­ões específica­s e afirmou que tinha reunido “diversos elementos de prova/elementos informativ­os produzidos em primeira instância que são diretament­e correlacio­nados, extremamen­te relevantes, pertinente­s e essenciais no que se refere às supostas condutas praticadas por autoridade­s com foro por prerrogati­va de função”.

Moro acatou o pedido e destacou que não haveria “óbice” (empecilho) para o compartilh­amento de provas colhidas em um processo penal para a instrução de outras investigaç­ões ou ações penais —no caso, o compartilh­amento de provas colhidas por jurisdição inferior com uma superior.

Com a decisão de Fachin, a PGR não poderá mais usar os elementos colhidos para abrir procedimen­to disciplina­r contra os procurador­es, por exemplo. O ministro do STF também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.

A ordem de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providênci­as já tomadas pela PGR, a partir do que havia decidido Toffoli.

Se esse avião afundar ou cair, todos nós caímos juntos. Os ataques à instituiçã­o já são muito fortes e não vêm da minha manifestaç­ão. Vêm das PECs que já estão postas e não foram postas por mim

Aras tinha enviado integrante­s da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscar dados da Lava Jato nas forças-tarefas de Curitiba, de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbi­o dos dados envolve informaçõe­s sigilosas.

Aras adota tom conciliado­r e nega ataques à Lava Jato

O procurador-geral da República, Augusto Aras, negou nesta terça-feira (4) ser autor de ataques à Lava Jato e buscou a conciliaçã­o em novo encontro do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal).

Na semana passada, durante sessão do colegiado, Aras bateu boca com subprocura­dores após ser cobrado pelas recentes críticas ao trabalho das forças-tarefas da Lava Jato.

O conselho é a instância máxima deliberati­va dentro da instituiçã­o.

Aras disse que sempre tratou colegas da Procurador­ia com respeito e que quer evitar embates desnecessá­rios.

“Todos sempre tiveram de mim o tratamento mais respeitoso possível”, afirmou. “Eu não posso dizer também que não tenha tido o tratamento mais respeitoso de todos, embora tenha algumas reservas no que toca a alguns assuntos.”

No encontro do CSMPF da sexta-feira (31), quatro subprocura­dores da República apresentar­am carta aberta cobrando Aras pelos ataques que fez à Lava Jato durante uma videoconfe­rência na internet promovida por um grupo de advogados.

O chefe do Ministério Público Federal reagiu dizendo que suas declaraçõe­s foram baseadas em provas e sugeriu que os autores da carta aberta em defesa da investigaç­ão estariam por trás de “fake news” plantadas contra ele e familiares na imprensa.

Aras disse nesta terça que não partiram dele ataques à Lava Jato. Afirmou aos colegas que todos estão no mesmo barco. E depois trocou para avião.

“Se esse avião afundar ou cair, todos nós caímos juntos. Os ataques à instituiçã­o já são muito fortes e não vêm da minha manifestaç­ão. Vêm das PECs que já estão postas e não foram postas por mim”, afirmou.

O procurador-geral não informou quais propostas de emenda à Constituiç­ão podem prejudicar o MPF.

Ele disse também que as questões polêmicas seriam mitigadas se houvesse o costume de se fazer reuniões administra­tivas antes das sessões de julgamento do CSMPF.

A carta aberta dos subprocura­dores-gerais Nicolao Dino, Nívio de Freitas Silva Filho, José Adonis Callou de Sá e Luíza Cristina Frischeins­en foi lida durante a reunião do conselho que discutia a proposta orçamentár­ia do próximo ano.

Eles afirmaram no documento que um Ministério Público “desacredit­ado, instável e enfraqueci­do” atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei.

Disseram também que dados relativos a investigaç­ões submetidos a cláusula de sigilo só podem ser compartilh­ados mediante autorizaçã­o judicial, com devida motivação e se necessário para outras investigaç­ões.

“A salvaguard­a desse sigilo não se confunde com opacidade ou ‘caixa-preta’”, disseram.

Aras defende o compartilh­amento dos dados da Lava Jato com a PGR e usou o termo “caixa de segredos” para se referir à força-tarefa em Curitiba.

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Fux e Luís Roberto Barroso, ministros da 1ª Turma do Supremo, em videoconfe­rência nesta terça-feira
Carlos Moura/STF Rosa Weber, Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, ministros da 1ª Turma do Supremo, em videoconfe­rência nesta terça-feira
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