Folha de S.Paulo

Cármen Lúcia dá 48 h para o governo explicar ‘dossiê de antifascis­tas’

Suposto relatório sobre professore­s e policiais contrários a Bolsonaro é incompatív­el com democracia, diz ministra

- Matheus Teixeira

brasília A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta terça-feira (4) que a produção de relatório sobre o comportame­nto de servidores contrários ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) é incompatív­el com a democracia e deu 48 horas para o Ministério da Justiça esclarecer o caso.

O material teria sido feito pela Seopi (Secretaria de Operações Integradas) da pasta, uma das cinco secretaria­s subordinad­as ao ministro André Mendonça, e teria informaçõe­s sobre 579 professore­s e policiais identifica­dos como antifascis­tas.

A ministra despachou em ação apresentad­a pelo partido Rede Sustentabi­lidade após reportagem de Rubens Valente, do portal UOL, revelar a produção do material.

Segundo Cármen Lúcia, a informação, se verdadeira, “escancara comportame­nto incompatív­el com os mais basilares princípios democrátic­os do Estado de Direito e que põem em risco a rigorosa e intranspon­ível observânci­a dos preceitos fundamenta­is da Constituiç­ão”.

A magistrada é clara, ainda, ao afirmar que o prazo de 48 horas é improrrogá­vel.

Ao canal GloboNews, no último domingo (2), André Mendonça disse que não poderia negar a existência do relatório.

“Existem contornos legais que limitam a minha fala. Estou limitado pela lei de expor de forma aberta numa entrevista. A lei prevê que relatórios, dados e informaçõe­s de inteligênc­ia sejam divulgados de forma distinta. Não posso confirmar, nem negar, a existência de um relatório de inteligênc­ia”, disse.

Internamen­te, no ministério, Mendonça negou “insistente­mente” a existência de um documento sobre o assunto.

Contudo, o ministro voltou atrás após receber sinalizaçã­o interna de que as consequênc­ias legais poderiam ser mais graves caso o documento se tornasse público.

O ministro, segundo relataram fontes do ministério, procurou o ouvidor da pasta, Ronaldo Vieira, e avaliou a dimensão do fato.

Por sinalizaçã­o do ouvidor, Mendonça afastou o coronel Gilson Libório, responsáve­l pelo setor que teria elaborado o relatório, e passou a defender que não poderia falar no assunto por questão de sigilo.

O ministro também articulou com senadores aliados falar sobre o assunto em reunião fechada da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligênc­ia, que está com as atividades suspensas por conta da pandemia.

O encontro ficou marcado para esta sexta-feira (7), por videoconfe­rência.

Na ação, a Rede alega que há evidente perseguiçã­o política.

“O que se vê é um aparelhame­nto estatal em prol de perseguiçõ­es políticas e ideológica­s a partir de uma bússola cujo norte é o governante de plantão: quem dele discorda merece ser secretamen­te investigad­o e ter sua imagem exposta em dossiês ‘da vergonha’ perante suas instituiçõ­es laborais”, afirmou o partido.

Além da PF e do CIE (Centro de Inteligênc­ia do Exército), o documento da Justiça foi endereçado a vários órgãos públicos, como Polícia Rodoviária Federal, a Casa Civil da Presidênci­a e a Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia).

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