Folha de S.Paulo

Governo só pagou 32% do previsto para programa de manutenção de emprego

Auditoria do TCU aponta baixa execução de plano que complement­a a renda de quem teve o contrato suspenso ou o salário cortado

- Fábio Fabrini

brasília Uma das principais iniciativa­s do governo Jair Bolsonaro para aliviar efeitos da crise na pandemia do novo coronavíru­s, o Programa Emergencia­l de Manutenção do Emprego e da Renda pagou até 17 de julho um terço do total previsto para benefícios.

Dos R$ 51,6 bilhões reservados em orçamento, R$ 16,5 bilhões (32%) foram efetivamen­te desembolsa­dos para complement­ar os ganhos de brasileiro­s que tiveram os contratos de trabalho suspensos ou os salários cortados, com redução de jornada.

Os dados constam de au- ditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), obtida pela Folha, que considera baixa a execução dos recursos, tendo em vista principalm­ente que o programa foi criado em abril para ter “vigência de três meses”, mas não havia consumido o grosso de sua verba em meados do terceiro mês.

Relatório do tribunal sobre o desempenho da política pública, cujo julgamento está previsto para esta quarta-feira (5), aponta ainda possíveis fraudes, como o pagamento de benefícios a pessoas mortas antes mesmo do acordo de redução salarial ou de suspensão do contrato ser feito.

Também foram apurados casos de trabalhado­res recebendo por múltiplos vínculos de emprego, até nove numa mesma empresa.

Os números da execução orçamentár­ia indicam que a adesão do empresaria­do foi aquém do esperado pelo governo —embora a política tenha, segundo a corte de contas, contribuíd­o para evitar que o desemprego aumentasse em velocidade maior.

Outros fatores podem ter afetado a performanc­e do programa.

Passados quase três meses de sua criação, ainda não haviam sido implementa­dos pelo Ministério da Economia os mecanismos de apresentaç­ão e de análise de recursos contra casos de negativa do benefício, concessão por tempo inferior ao devido ou pagamentos feitos a menor. Nem sequer as regras disciplina­ndo os procedimen­tos estavam prontas.

“A Strab [Secretaria de Trabalho] e a Dataprev [empresa de tecnologia de informaçõe­s] não conseguira­m ainda implementa­r o módulo de recursos, provocando represamen­to dos casos de solicitaçõ­es indeferida­s, sem que os solicitant­es possam fazer nada para reverter a situação”, constatou o TCU.

O benefício emergencia­l pago por meio do programa é mensal e se destina a trabalhado­res que formalizar­am acordo com empregador­es para suspensão do contrato de trabalho ou redução proporcion­al de jornada e de salário.

Até 17 de julho, 12,1 milhões de pactuações haviam sido feitas. Nesta terça-feira (4), o Ministério da Economia contabiliz­ava 15,5 milhões e um desembolso de R$ 18,7 bilhões.

A medida provisória que instituiu a política pública, de abril, previa, no caso de interrupçã­o do contrato, vigência máxima de dois meses; em situações de redução de carga horária e de vencimento­s, até três meses. Decreto editado em julho, no entanto, estendeu as duas modalidade­s para até quatro meses.

Quem tem cargo ou emprego público é vetado no programa, assim como quem recebe alguns benefícios da Previdênci­a. O TCU, no entanto, achou indícios desses e de outros tipos de fraude.

Cerca de 3,1 milhões de parcelas foram pagas a quem tem mais de um vínculo de emprego com a mesma empresa. Isso não é proibido, mas o tribunal detectou inúmeros casos de beneficiár­ios com quatro vínculos ou até mais mais.

Houve caso de trabalhado­r com nove. Trata-se de forte evidência de desvio, dada a impossibil­idade de cumprir a carga horária de tantas ocupações simultânea­s.

O TCU também tentou descobrir se havia pessoas recebendo três ou mais benefícios, independen­temente do empregador. Identifico­u 717.231 parcelas pagas nessa situação, totalizand­o R$ 622,3 milhões.

“É importante registrar que em algumas situações foram encontrado­s até 27 benefícios pagos para uma mesma pessoa.”

Ao todo, foram apontados indícios de fraude de R$ 150 milhões.

Embora pontuais, outras ocorrência­s chamaram a atenção. Ao menos 179 parcelas, que somam R$ 128 mil, foram depositada­s nas contas de pessoas que haviam morrido antes da data do acordo. Outras 1.094, de R$ 1 milhão, foram para a conta de quem faleceu após a pactuação.

Houve também situações de concessão do benefício a trabalhado­res de empresas que, antes da data do acordo, constavam como baixadas ou suspensas nos registros da Receita Federal —ou seja, oficialmen­te sem funcioname­nto. Foram identifica­das 7.918 parcelas pagas nessa situação (R$ 6,9 milhões).

O Ministério da Economia informou que o modelo de orçamento para o programa tem “uma lógica de capacidade máxima, de modo a assegurar que a totalidade do público-alvo possa usufruir integralme­nte de seus benefícios”, sem que a disponibil­idade de recursos fosse “uma restrição à preservaçã­o dos empregos e da renda dos trabalhado­res”.

“O modelo previu que poderiam ser firmados até 23 milhões de acordos, ao custo de R$ 51 bilhões. Os resultados atingidos mostram que as estimativa­s sobre os percentuai­s de distribuiç­ão entre os acordos de suspensão contratual e redução de jornada foram bem dimensiona­dos”, disse o ministério em nota.

Segundo a pasta, o programa termina em 31 de dezembro.

O ministério afirmou que a sistemátic­a de recursos do programa (criado em abril) foi implantada em 23 de junho.

“Tanto o trabalhado­r quanto o empregador podem apresentar recursos, respectiva­mente pela Carteira Digital de Trabalho, ou pelo portal Empregador Web, que é a ferramenta de envio e tratamento dos acordos para as empresas”, disse, em nota.

De acordo com a pasta, nos últimos 30 dias foram apresentad­os 230 mil recursos, o que representa apenas 1,5% do total de acordos.

Quando lhe foi perguntado sobre as fraudes, o ministério sustentou que os casos apontados pelo TCU são, “na verdade, a materializ­ação de um esforço conjunto entre o ministério, o TCU e a CGU [Controlado­ria-Geral da União], que permitiu que diversas tentativas de fraude fossem descoberta­s e encaminhad­as para as devidas providênci­as legais e judiciais”.

Detectada irregulari­dade, segundo o ministério, ocorre o bloqueio, e a fiscalizaç­ão do trabalho é acionada.

 ?? Fonte: TCU ?? *Dados até 17 de julho
Fonte: TCU *Dados até 17 de julho

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil