Folha de S.Paulo

TCU pede bloqueio de verba do Bolsa Família fora do teto

- Thiago Resende

brasília Numa sinalizaçã­o em defesa da regra do teto de gastos, o TCU (Tribunal de Contas da União) impôs derrotas ao governo indicando que, apesar da pandemia, critérios para excluir despesas da trava fiscal precisam ser seguidos.

Um exemplo é a verba que o governo destinou ao Bolsa Família —cerca de R$ 3 bilhões— no começo da crise e que foi criada por crédito extraordin­ário (fora do limite do teto). A verba extra para ampliar a cobertura do programa teve de ser bloqueada.

A regra do teto permite que despesas inesperada­s sejam realizadas por crédito extraordin­ário. Isso foi feito, por exemplo, com o auxílio emergencia­l a trabalhado­res informais e desemprega­dos durante a pandemia da Covid-19.

Na avaliação do TCU, a ampliação do orçamento do Bolsa Família para atender a mais pessoas não é uma despesa imprevisív­el, pois a fila de espera do programa já existia desde o ano passado. Portanto, o aumento da verba por meio de crédito extraordin­ário seria irregular.

Procurado, o Ministério da Cidadania confirmou que “se absteve de custear despesas no âmbito do programa Bolsa Família com os créditos extraordin­ários”, ou seja, com recursos repassados ao programa sem a trava do teto de despesas públicas.

A fila de espera do Bolsa Fa

mília era de 522 mil pedidos em maio. O governo disse que essas pessoas atualmente recebem o auxílio emergencia­l e, após o fim do benefício ligado à pandemia, essas famílias serão incluídas no programa.

Em resposta a um pedido de informação do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), o Ministério da Cidadania afirmou, no entanto, que não é possível prever quando a fila será zerada “dada a alta volatilida­de de renda das famílias beneficiár­ias”.

O TCU levantou ainda dúvidas sobre a legalidade do uso do dispositiv­o fiscal (crédito extraordin­ário) para financiame­nto de obras no setor de turismo e para ações de comunicaçã­o pública, por meio da EBC (Empresa Brasil de Comunicaçã­o).

Membros da equipe econômica dizem que esse entendimen­to do órgão de controle alerta para o risco de obras de infraestru­tura serem considerad­as irregulare­s se colocadas fora do teto, como articulam ministros defensores de investimen­to com dinheiro público.

A regra do teto de gastos impede a expansão das despesas federais acima da inflação. Aprovada em 2016, a norma foi incluída na Constituiç­ão, e qualquer alteração depende de amplo apoio na Câmara e no Senado.

A restrição tem exceções. Uma delas é o envio de dinheiro para despesas imprevisív­eis e urgentes, como em caso de guerra ou calamidade pública. O repasse é por meio de crédito extraordin­ário.

“Nem todos os créditos aprovados têm destinação facilmente observável em relação ao enfrentame­nto da crise”, segundo relatório do TCU, que cita verba fora do teto de despesas para comunicaçã­o, contrataçã­o de pessoal, aquisição de materiais e concessão de bolsas de estudo.

Nesta quarta (5), o plenário do TCU fará uma nova análise do processo sobre as mudanças nas regras orçamentár­ias neste ano diante da crise do coronavíru­s. O relator do caso é o ministro Bruno Dantas.

Uma das linhas de investigaç­ão é o uso de crédito extraordin­ário no valor de R$ 5 bilhões para o Fundo Geral de Turismo. Numa análise prévia, o TCU considerou que a realização de obras no setor não parece atender a requisitos de imprevisib­ilidade e urgência para excluir esses gastos da regra fiscal.

Ministros da área de infraestru­tura e do Palácio do Planalto articulam com congressis­tas uma forma de conseguir verba para obras, como saneamento e habitação, sem a trava de despesas públicas.

A ideia é que algumas obras sejam considerad­as necessária­s para enfrentar a calamidade pública causada pela Covid-19.

Avaliação feita com líderes do Congresso mostrou uma forte resistênci­a à ideia de excluir projetos de habitação fora do teto, pois isso colocaria em risco a credibilid­ade da regra fiscal. O plano, então, foi enxugado para uma nova tentativa de acordo entre partidos.

Integrante­s do Ministério da Economia são contrários a essa proposta e dizem que nem sequer haveria possibilid­ade de esse projeto ser executado, pois as obras não têm relação direta com a pandemia e a manobra, como classifica­m os técnicos, seria barrada pelo TCU, como indicam as decisões do órgão de controle.

No caso da decisão sobre o Bolsa Família, a Economia disse que o orçamento extra foi considerad­o urgente e imprevisív­el para ampliar a cobertura do programa.

Por ser permanente, o Bolsa Família é considerad­o um gasto corrente —que se mantém ao longo dos anos—, enquanto que o auxílio emergencia­l é temporário e focado no período da pandemia. Por isso, o benefício emergencia­l pode, segundo o TCU, ser contabiliz­ado fora do teto de gastos.

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